domingo, 20 de dezembro de 2015

CONVESCOTE PRIMEIRA PARTE.

Arroio onde fizemos o piquenique
Tia Clara
Para papai trouxe um molinete. 





CONVESCOTE

PRIMEIRA PARTE.

Era uma segunda feira de um verão escaldante. Estávamos almoçando quando o assunto “convescote” entrou em pauta. Papai já sabia há vários dias, que Tia Clara viria para fazer o tal de “convescote”, mas esperou até o último momento para falar a respeito como, aliás, sempre fazia quando o assunto a ser discutido o deixava incomodado.
- Agora essa! Fazer um “convescote”! Tem mais nada para inventar? Resmungou papai em resposta à explosão de euforia da criançada, apesar de, sequer, sabermos o que era isso.
- Sei lá, disse papai. Ela falou que também pode-se dizer “piquenique”.  Ela ouve essas bobagens lá na cidade e quer trazer a modo pra cá!
  Sempre que a Tia vinha ele ficava mal humorado. Eram irmãos, mas não conseguiam “comer no mesmo cocho”. Nós crianças, pelo contrário, adorávamos Tia Clara porque sempre nos trazia presentes. Dessa vez trouxe anzóis, linha de pescar, e boias coloridas para não afundarmos nas águas do arroio, pois nenhum de nós sabia nadar. Para papai trouxe um molinete. Na noite anterior tirou-o da caixa para montá-lo. Meio contrariado, mas vencido pela curiosidade, papai se aproximou e acompanhou a montagem do equipamento. Até, em certa ocasião, arriscou um palpite quando a Tia encaixou de maneira errada uma pecinha. Quando tudo estava montado quis saber para que servia esse tal molinete.
- Hora, para pescar disse ela educadamente.
- Porque não usa simplesmente um anzol, perguntou papai com ar de entendido.
- É para arremessar o anzol para longe, coisa que não se consegue somente com anzol e linha. Papai riu e para debochar da tia disse:
- Para onde quer jogar o anzol se o arroio onde vamos pescar tem no máximo três ou quatro metros de largura?
Dessa vez papai tinha razão e tia Clara ficou sem resposta. Então, meu irmão mais velho salvou a Tia da situação vexatória em que se metera dizendo que seria um equipamento útil para quando fôssemos à praia.
- É isso aí, concordamos todos.
- E quando vamos à praia? Perguntou papai, rindo novamente.
- Um dia levo as crianças. É claro, somente as crianças porque não quero que gente grande como tu agarrada na minha saia, alfinetou tia Clara.  Mamãe, percebendo que os ânimos estavam acirrados, disse que era hora de dormir.
No dia seguinte partimos sedo para o arroio Canoas.
Toda a família foi. Papai meio a contragosto teve que ceder, pois queria que meus irmãos mais velhos e ele ficassem em casa para capinar na roça de milho. Mas diante do protesto deles e os argumentos de mamãe ele capitulou e concordou que todos fossem.
Quando íamos partir meu irmão mais velho disse:
- E as minhocas?
Então tirei da minha mochila uma latinha e me fazendo de importante falei:
- Ah se não fosse eu!
O dia estava lindo e mesmo antes do nascer do sol partimos levando lanches, equipamentos e água potável. Apesar dos protestos de Tia Clara papai levou a espingarda com vários cartuchos carregados.
- Nunca se sabe, disse. Alguma cobra ou outro bicho perigoso...
O final dessa história vou contar na próxima edição desse jornal. Aguardem!


domingo, 13 de dezembro de 2015

TRÊS FERRADURAS








  TRÊS FERRADURAS

Certa noite, há muitos anos, meu irmão mais velho disse ter visto um fantasma. Viu três luzes pairando sobre um banhado dentro do nosso potreiro. Nesta mesma época, trabalhava por aqui um negro que construía taipas. Chamavam-no “Schwartz Monuel” e era corcunda. Ele disse que tais fogos apareciam onde tinha ferraduras enterradas.
A pesar de respeitar a sabedoria popular que, em geral, encerra muita filosofia, sou cético em relação a fatos extraordinários. Custo acreditar em milagres, crendices, fantasmas, magias, forças do além e etc. Porém, o nosso folclore está tão cheio dessas crenças que se fôssemos citá-las encheríamos várias páginas de um livro.  Acho que a maioria das coisas “extraordinárias” que acontecem em nosso entorno não resiste a uma investigação séria.
Mas aquelas luzes intrigantes, a toda hora, emergiam na minha memória até que fui procurar no Google uma explicação que pudesse me satisfazer. Dizem os adeptos da internet que lá se encontra tudo. Achei o seguinte:(Fogo-fátuo (ignis fatuus em latim), também chamado de Fogo tolo ou, no interior do Brasil, Fogo corredor ou João-galafoice, é uma luz azulada que pode ser avistada em pântanos, brejos etc. É a inflamação espontânea do gás dos pântanos (metano), resultante da decomposição de seres vivos.)
Essa é a explicação científica. No entanto, a versão do negro corcunda não me saia da cabeça. Estaria enterrada uma ferradura aí no banhado? Ou talvez três? Porque eram três bolotas de luz duas maiores e uma menor.
Há alguns dias, o Eitor, que é o atual proprietário, resolveu fazer daquele banhado um açude. Duas máquinas trabalharam vários dias e removeram centenas de metros cúbicos de lama. Então ele veio me contar que achou uma ferradura em meio àquela lama toda. Logo me lembrei das três bolas de luz, da história do meu irmão e do negro corcunda. Mas alguma coisa não estava batendo. Eram três luzes e uma ferradura.
 Pasmem os prezados leitores que dois dias depois o Eitor me procurou para dizer que achou mais duas ferraduras e uma delas bem menor.  Senti um calafrio perpassar o meu corpo. Será que a versão do negro corcunda tinha algum fundamento? Tudo se encaixava perfeitamente, a não ser um pequeno detalhe: a origem da ferradura menor. Então os mais antigos me disseram que, uma vez, o Padre Alfredo Bley vinha de São Pedro atender os fiéis da nossa comunidade montado no lombo de um burrico. Ficava hospedado na nossa casa e o asinino era solto no nosso potreiro. O enigma estava resolvido. A menor era uma ferradura do burrico do Padre Bley.
 Sei que é difícil, ao prezado leitor, acreditar numa história dessas, mas quem duvida deve procurar o Eitor Hentz. Inclusive ele me disse que vai fazer uma moldura onde ficarão expostas as três ferraduras. Quem sabe esteja nascendo, aí, uma lenda: A “Lenda das Três Ferraduras”. E talvez elas tragam sorte ao Eitor e a quem vier visitar o sítio dele.
Mas eu continuo não acreditando em fantasmas.


segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

A QUEM PERTENCE A TERRA?

Gruta Azul em Bonito
Para cada lado da rodovia que se olhasse, só se via plantações de milho e soja.

Creio que florestas nativas e exuberantes ocupavam tudo aquilo
Passeio de barco pelo Rio Paraná

Passeio de barco pelo Rio Paraná




 A QUEM PERTENCE A TERRA?

Na terra vive um número incalculável de formas de vida. Nós somos uma dessas formas. Compartilhamos esse mundo com todas as outras. O Criador colocou à nossa disposição toda essa maravilha. Quando digo à nossa disposição me refiro a todos os seres vivos e não somente ao ser humano. No entanto, temos a soberba de ignorar esse direito e nos apossamos de tudo o que bem entendemos.
Fiz uma excursão ao Pantanal sul-mato-grossense. Sentei no primeiro banco do ônibus para apreciar as paisagens que se sucediam durante o percurso. Viajávamos durante o dia, e de noite dormíamos em hotéis. Saímos do Rio Grande, atravessamos o oeste de Santa Catarina e do Paraná e grande parte do Mato Grosso do sul. Durante todo esse trajeto a paisagem se manteve inalterada. Para cada lado da rodovia que se olhasse, só se via plantações de milho e soja. Essas duas culturas ocupavam, praticamente, todos os espaços. Até aonde a vista alcançava a monotonia daquele verde se impunha. Então me perguntei:
- Quem vai comer todo esse alimento?
E sabemos que o que vi é uma ínfima parte do que produzimos. Tem ainda o Mato Grosso, Goiás, São Paulo e outros estados.
Imaginei como seria toda essa extensão de terras antes da chegada de “civilização”. Creio que florestas nativas e exuberantes ocupavam tudo aquilo. E essas florestas, com certeza, abrigavam uma diversidade muito grande de vida selvagem.
Sentimo-nos no direito de ocupar tudo em detrimento de quem estava lá. Alegamos que precisamos de alimentos para sustentar a população mundial. Achamos que podemos expandir a nossa espécie (Homo Sapiens) indefinidamente sem nos importar com as outras formas de vida. Esse planeta está aí para ser compartilhado por todos. Ele não pertence unicamente ao ser humano.
Eliminamos os nossos predadores (pestes, guerras, doenças, epidemias) e estendemos nossa expectativa de vida sem prestarmos atenção para a superpopulação. Hoje temos gente demais no mundo. Se não houvesse pessoas para comer todos os alimentos que produzimos então não precisaríamos de tanta área plantada. Haveria espaço para florestas e vida selvagem.
A nossa sociedade está assentada no “processo de crescimento”. Enquanto pudermos crescer tudo é fácil. Mas não podemos fazer isso infinitamente. Uma vez se fabricava coisas para durarem. Hoje se fabricam descartáveis; para que se possa produzir mais, vender mais, expandir, ocupar todos os espaços. O nosso planeta é limitado. Ou alguém duvida disso? Quem sabe, depois a lua ou... ou...
 Eu ainda prefiro ficar por aqui.



segunda-feira, 30 de novembro de 2015

FLORES DA CUNHA Terra do Galo

Adotou o galo como símbolo

Lindo palacete em Flores da Cunha


A indústria FLORENSE de móveis tem lá sua sede.



FLORES DA CUNHA
Terra do Galo

A história que vou contar aconteceu em Flores da Cunha há muito tempo.
 Um mágico apareceu na cidade para uma apresentação. Na época, algo assim era um acontecimento. O salão paroquial foi preparado para o espetáculo e as autoridades e o povo esperavam ansiosamente que caísse a noite.
Finalmente, depois de todos terem passado na bilheteria, o espetáculo teve início. O prefeito fez uso da palavra e fez rasgados elogios ao seu secretário de educação por ter trazido à cidade espetáculo de tal envergadura. Disse que sua administração estava orgulhosa em poder proporcionar ao seu povo momentos de alegria e divertimento.
 Logo no primeiro número o mágico solicitou a presença do padre, do prefeito e do juiz de paz que subiram no palco para serem ajudantes. Então ele apresentou um galo e o número consistiria no seguinte: O prefeito seguraria o galo pelas pernas e o padre, com uma machadinha, cortaria o pescoço dele. O Juiz de paz faria o papel de testemunha. Depois de uma reza o galo, mesmo com o pescoço cortado, começaria a cantar quando fosse solicitado.
Quando o prefeito e o padre cumpriram a sua parte no número deixaram o galo, já morto, sobre a mesa. Então o mágico se retirou do palco para, segundo ele, fazer a reza. Em vez de voltar, pegou o dinheiro da bilheteria e, saindo pala porta dos fundos deu no pé. Os três ajudantes estavam no palco junto ao galo morto. O tempo foi passando e nada de o mágico voltar.  As autoridades e a plateia já estavam se sentindo desconfortáveis com toda essa demora até que alguém, no meio do público, gritou:
- É uma farsa! Fomos enganados!
 Ainda tentaram pegar o vigarista, mas a estas alturas ele já estava longe.
 O fato é verídico e durante muitos anos o povo de Flores da Cunha se ofendia quando alguém se referia ao episódio. Porém as chacotas eram tantas e tão frequentes que finalmente a população aceitou o fato. E mais, a cidade adotou o galo como símbolo que hoje lhe rende boas divisas no setor do turismo.
O que era humilhante no início se transformou numa fonte de renda.
Flores de Cunha é uma bela cidade próxima de Caxias do Sul. A indústria FLORENSE de móveis tem lá sua sede.


segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Edmundo e Fridalina Ludwig

Porca comum com seus filhotes

Bergamoteira

Marisa Hentz e Veleda Ludwig na casa de Edmundo

Vara de porcos comuns.

Edmundo Ludwig

 Fridalina Ludwig




             Edmundo e Fridalina Ludwig

Em Boa Vista, morava o casal Edmundo e Fridalina Ludwig. Tiveram nove filhos dos quais dois falecidos.
Depois da morte de Edmundo, Frida, como era conhecida, ficaria sozinha pois os filhos todos já eram casados.
Então o pai de Iliseu concordou em ceder o menino durante algum tempo para fazer companhia à vovó Frida e ajudar em alguns afazeres.
Na época, os colonos criavam o “porco comum”. Era um porco muito rústico criado nos potreiros precisando de quase nenhum cuidado. Para alimentá-los debulhavam uma espiga de milho, alguns restos de comida, cascas de legumes e a água onde fora lavada a louça. (sutel wassa). Comiam grama e reviravam o solo a procura de pequenos tubérculos e minhocas.
Era época da bergamota. No potreiro, havia uma bergamoteira grande que produzia frutos saborosos. Depois do meio dia, quando a vovó Frida ia tirar sua sesta, o Ili, sempre, trepava naquela bergamoteira e enchia a barriga com aquelas bergamotas suculentas e saborosas. Só no “Barrulhe Eck” dava bergamotas assim. Os porcos, quando percebiam, se juntavam em baixo da bergamoteira para comer as cascas e os grãos que ele, lá em cima, descartava. Em meio a vara (vara é uma tropa de porcos),havia uma porca enorme com filhotes.
Um dia, O menino viu uma bergamota muito graúda lá na ponta de um galho. Não que ali ao seu alcance não houvesse, também, lindas e saborosas, mas aquela parecia especial. Tentou agarrá-la puxando o galho para perto de si, mas a manobra não teve êxito. Então, se atreveu subir mais um pouco. No momento em que conseguiu agarrar a tão desejada fruta, o galho não mais suportou o peso e o Iliseu despencou lá de cima. E como o prezado leitor já deve estar imaginando ele caiu exatamente em cima da porca, de pernas abertas ficando montado no animal. A porca soltou um grunhido e saiu numa disparada maluca com o Iliseu montado nela. Quando chegaram perto do arroio a porca deu uma freada abrupta derrubando o menino que caiu numa poça de barro. A vovó Frida, que recém tinha levantado da sua cochilada, presenciou o acontecido. Veio correndo para acudir o netinho que se retorcia em dores. Então, a vó viu que ele segurava, numa das mãos, alguma coisa. Era aquela bergamota. Só que imprestável por que de tanto apertá-la só sobrara a casca e o bagaço.
O Iliseu jamais revelou esta aventura para alguém. E teria ficado no esquecimento não fosse, um dia, a vó Frida, ter me contado o caso.
Hugo, casado com Veleda, é um dos filhos de Edmundo e Fridalina. Neste dia 15 de novembro comemoraram suas bodas de ouro. Segundo depoimentos, foi uma bela festa que reuniu, em Boa Vista Poço das Antas, irmãos, sobrinhos e muitos amigos do casal. Com certeza, foi uma oportunidade de rever a parentada, relembrar os tempos de gurizada no “Barulhe Eck” e recordar episódios como o deste texto.



segunda-feira, 16 de novembro de 2015

DIQUE O quebra-galho






DIQUE
O quebra-galho


Quebra-galho, Faz Tudo, Pau-Pra-Toda-Obra, Severino, Bombril, são termos que usamos para designar aquelas pessoas que tem um vasto leque de habilidades. Em geral são criativas e se realizam quando são chamadas para alguma tarefa extraordinária. 


Muitas instituições têm em seus quadros essa figura. Nas escolas, muitas vezes, existe aquele professor que sempre é chamado quando uma lâmpada precisa ser trocada, para instalar um equipamento eletrônico, abrir uma porta que enguiçou, uma gaveta que não abre, ou quando uma professora distraída chaveou o carro com a chave dentro e muitas outras situações que ocorrem no dia a dia de uma escola.
 Muitas prefeituras, também, contam com algum funcionário assim. Em geral, são profissionais não devidamente valorizados, porém imprescindíveis para o bom funcionamento dessas instituições.
Quero citar, como exemplo, o Dique. Dique é o apelido. Seu nome é Henrique Dai Prá, filho da professora Léa.
Na prefeitura de Barão, o Dique faz qualquer coisa. Jamais rejeita um trabalho que alguém solicita. Está sempre disposto a colaborar seja onde e quando for. Para ele é uma alegria poder ajudar. Trabalha na prefeitura desde a criação do município e por isso conhece todos os meandros lá dentro. Ele é um funcionário exemplar e muito bem quisto pelos colegas porque trata a todos com cordialidade. Segundo me contaram só tem um defeito: É colorado. (Brincadeirinha Dique). Ele, também é desportista e já atuou nos dois clubes de Barão como goleiro e dirigente. Sempre se dedica com paixão às coisas que faz e por isso tem o respeito e a admiração, até, dos próprios adversários.
Quero cumprimentar a grande família Dai Prá onde, além do Dique, tenho vários amigos. Cumprimentar, também, na pessoa de Henrique, todos os funcionários da prefeitura de Barão que, muitas vezes, são malvistos em consequência dos descaminhos verificados em outros escalões da administração pública. Sei que o nosso quadro é competente e dedicado.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

OS GURIS ARTEIROS DE ARLINDO FLACH


O cavalo deles já era um matungo velho e muito assustado

Casa de Arlindo Flach em Canoinhas - Barão

O precipício.  

OS GURIS ARTEIROS DE ARLINDO FLACH


 Arlindo Flach (Flach Lind) tinha uma tropinha de gurizada medonha. Nos sábados de tarde e domingos tinham sempre que inventar algo para se ocupar.  
O cavalo deles já era um matungo velho e muito assustado. Quando alguma coisa o espantava, corria para um refúgio nos fundos do potreiro que confrontava com um precipício. Para dar acesso ao refúgio havia uma trilha estreita entre o precipício e uma enorme pedra atrás da qual o cavalo se escondia. Aquela passagem era perigosa, mas o animal, de tantas vezes que já passara por aí, vencia, sem dificuldade, aquele estreitamento.
 Num sábado de tarde, o capeta estava solto em Canoinhas. A gurizada, por si só, já era medonha imaginem então com a ajuda do “coisa-ruim”. A maldade que planejaram era dar um susto no matungo.
 Todos os guris do interior conhecem, e sabem fabricar certo instrumento com o talo da folha da abobreira que emite um som grave e rouco. (Em alemão Pova Thudz).
Debulharam uns grãos de milho num cocho para atrair o cavalo e então, o Juca, o mais velho, contou até três e todos, ao mesmo tempo, assopraram no seu instrumento provocando verdadeiro pânico no coitado do animal que fugiu numa disparada descontrolada em busca do seu refúgio. Os guris, ainda não contentes, perseguiram o matungo dando gritos, risadas e aquelas buzinadas. O Agostinho, que era o mais velhaco se postou em cima da pedra que tinha que ser contornada e quando o cavalo apareceu assoprou no seu instrumento. Com o novo susto o coitado do animal não venceu a curva e caiu no precipício ficando pendurado em cima de uma árvore. Daí, se deram conta da maldade que cometeram. Foram procurar o pai que queria saber como isso havia acontecido. Todos tentaram culpar o Agostinho que dera o último susto no animal de cima daquela pedra, mas ele se defendeu e acabou incriminando os demais irmãos de modo que o pai ficou sabendo de toda verdade.
Por castigo, no domingo, em vez de jogar futebol, tiveram que cavar um buraco no fundo do precipício para enterrar o cavalo. O castigo foi merecido e os meninos aprenderam a lição. De noite, já na cama, o Dionísio comentou com os irmãos:
- Passamos barato! Eu achava que o “veio” ia pegar mais pesado!
As crianças daquele tempo tinham uma infância saudável a pesar de não conhecerem luxo e nem conforto. E essa vida cheia de dificuldades e limitações foi forjando seu caráter fazendo deles homens de bem.


segunda-feira, 19 de outubro de 2015

RACISMO? Creio que não

Estavam levando várias toras para a Serraria dos Gehring
Breque da nossa carreta

Breque é um equipamento que freia as rodas da carreta.





RACISMO?
Creio que não

No meu tempo de guri, já muito sedo, recebíamos incumbências como: recolher os ovos, tratar os terneiros, debulhar milho, dar água para os porcos e outras tarefas simples que podiam ser feitas pela gurizada.
Quando completei onze anos me deram a incumbência de cuidar do breque. Breque é um equipamento que freia as rodas da carreta. Me senti orgulhoso porque era uma tarefa de muita responsabilidade e se mal executada podia trazer graves consequências nas decidas íngremes da nossa estrada de roça. Enquanto meu pai ou um irmão mais velho conduzia os bois eu abria ou fechava o breque conforme a necessidade.
Em Campestre, também, um menino era responsável pelo breque. Chamava-se Rudi, da família Altmann. Estavam levando várias toras para a Serraria dos Gehring. As toras roliças eram presas em cima da carreta e para afirmar bem usavam um arrocho “em alemão Bend redel”. Era uma vara de madeira, geralmente anjico, flexível mas forte.   Altman, o pai do menino, ia na frente conduzindo os bois e atrás, Rudi cuidava do breque. Alguns vizinhos acompanhavam o transporte das toras para prestar ajuda caso fosse necessário. Quando já estavam quase chegando um senhor negro cruzou por eles. Rudi nunca tinha visto alguém assim. Então pediu para o pai:
- Pai, pai, para a carreta.
- Mas, oque que houve, filho?
- Quem era essa pessoa estranha que passou por nós?
- Era um negro que mora lá em Poço das Antas.
E a viagem continuou. Mas daí a pouco:
- Pai, pai, para pai, para!
- Mas o que foi desta vez?
- Eu queria saber se os negros põem ovos ou as crianças nascem assim como nós. Alguns colonos que estavam acompanhando a comitiva riram tanto que o menino ficou todo encabulado.
- Ora filho, eles são gente igual a nós. A única diferença é a cor da pele.
Esta é uma história que os antigos contam por aqui em Arroio. Segundo Silfredo Weschenfelder, Rudi ainda vive e mora na localidade de Pimenta. Há, mais ou menos, meio ano ele teria festejado suas bodas de ouro. 

Hoje, as leis proíbem o racismo. É claro que o menino não cometeu uma atitude racista. Somente nunca tinha visto uma pessoa negra.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

AS CRIANÇAS APRENDEM BRINCANDO





 aí se soltavam sobre um gramado íngreme 

Depois me chamou para jogar vídeo game
sentavam numa casca de coqueiro

casca de coqueiro, aquela que protege o cacho

casca de coqueiro, aquela que protege o cacho





AS CRIANÇAS APRENDEM BRINCANDO 

Todas as épocas têm suas peculiaridades. Em geral, cada um lembra, com saudade, do seu tempo de criança.
Meus irmãos e eu fazíamos bois, carretas e vários utensílios agrícolas com bananeiras. Construíamos estradas que ligavam as propriedades e por elas transitávamos com os produtos que queríamos negociar. Folhas de laranjeira eram a moeda circulante.
 Uma amiga muito especial me contou que brincavam ao ar livre. entre outras brincadeiras, sentavam numa casca de coqueiro, aquela que protege o cacho, e aí se soltavam sobre um gramado íngreme no potreiro do pai dela. Disse-me que ainda hoje tem cicatrizes de ferimentos causados pelos tombos que levou.
- Foram épocas que deixaram marcas indeléveis, disse-me ela. Muito mais que cicatrizes no corpo, tiveram influência decisiva na minha personalidade.
 Acho que um adulto, que é capaz de lembrar com saudade do seu tempo de criança é uma pessoa feliz.
Um dia, eu quis ensinar um menino a brincar com bananeira. Ele não achou graça alguma. Um pouco decepcionado desisti. Depois me chamou para jogar vídeo game com ele.
Muitas vezes, quando vou ao nosso clube, vejo crianças e adolescentes fazendo guerra. Com vários note books, interagem, e dão tiros tentando eliminar um ao outro. Claro que é tudo um “faz de conta”, é guerra virtual. Porém procuro sempre ver o que está além do fato. Na minha concepção as crianças brincam para se preparar para a vida real. Trazem para a fantasia a realidade do mundo que os cerca. É um processo de aprendizagem através do lúdico.
Aborreço-me quando os vejo nessa atividade em sábados e domingos ensolarados tendo logo aí ao lado um belo campo de futebol que a comunidade construiu com muito empenho e sacrifícios.
Será que o jeito de educar os nossos filhos está correto? Será que estamos fomentando a violência? Formamos uma geração de guerreiros? Não temos parâmetros para fazer esse julgamento. Só podemos conjecturar. Como todas as gerações, achamos que a nossa infância foi a mais saudável. Convivíamos mais intensamente com a natureza enfeitada com flores do campo. Lembro-me de uma, muito especial, que meche com a minha fantasia e em suas asas voava para muito longe. Ela é  até hoje a minha flor e é a mais linda de todas. Ela era amarela.