segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

CAÇA AO TICO-TICO

 Perseguíamos um tico-tico

FUNDA COM TIRAS DE BORRACHA

Todo o guri, na época, tinha que ter uma funda;

 para se salvar refugiou-se numa moita espinhenta no meio do nosso potreiro.






CAÇA AO TICO-TICO

Houve época em que eu sentava junto aos mais velhos para ouvi-los falar de antigamente. Os anos passaram e hoje os papéis se inverteram. Cá estou eu contando histórias reais e fictícias sobre coisas que ouvi, e das vivências próprias de épocas passadas.
Considero-me um privilegiado por ter ao meu dispor a tribuna do jornal Ação e, assim, alcançar um grande número de pessoas para divulgar ensinamentos, levar diversão e, resgatar alguns aspectos da cultura de nossa gente.
Nos últimos anos, as coisas mudaram muito rapidamente. Mesmo pessoas mais novas, vinte ou trinta anos, viveram experiências hoje já ultrapassadas. Quem ainda utilizaria o vídeo gama que há bem pouco tempo era um símbolo de modernidade. Nossos avós e bisavós nasceram e morreram sem terem vivenciado mudanças sociais, tecnológicas e culturais significativas.
Venho de um tempo em que não tínhamos energia elétrica na nossa casa. Eram tempos em que fabricávamos os nossos próprios brinquedos. Ainda que as crianças de hoje não consigam entender isso, mas éramos felizes. Era divertido e educativo.
Todo o guri, na época, tinha que ter uma funda; uma forquilha cuidadosamente colhida numa capoeira, um couro tirado de algum chinelo velho e duas tiras de borracha cortadas de alguma câmara de automóvel. As câmaras, na época, eram feitas de puro látex diferente das de hoje fabricadas com borracha sintética e, por isso, sem elasticidade, imprópria para fazer fundas.
Naquele domingo de tarde, como de costume, saímos para caçar pelos potreiros. Perseguíamos um tico-tico que para se salvar refugiou-se numa moita espinhenta no meio do nosso potreiro. Cercamos a moita e disparamos fundadas de todos os lados tentando acertar o coitado. Então o Flavio espichou sua funda e com toda força disparou o tiro que atravessou a moita indo acertar a cabeça de Marialdo Chies no outro lado da moita. A pedra fez um estrago significativo no supercílio deixando o rosto dele todo ensanguentado. Nós todos ficamos apavorados. O Erno, que não podia ver sangue, desmaiou. Marialdo mal podia caminhar. Meio cambaleando levamos o guri para cima. Estávamos preocupados com a explicação que daríamos á nossa mãe. Então ela tratou de lavar o ferimento com água oxigenada e fez um curativo usando o kit de primeiros socorros que Tia Clara deixara lá em casa na última vez que esteve nos visitando.
-Hora, disse ela, amarrar os ferimentos com um paninho! É a total falta de higiene! Ela era enfermeira no Hospital Santa Casa.

 Por sorte, ao atravessar a moita, a pedra perdeu força abrindo, somente, um pequeno corte. Por ter sido na sobrancelha sangrou muito dando a impressão de um ferimento sério. Marialdo, ainda hoje, tem uma pequena marca acima do olho esquerdo. Um desavisado nada percebe, mas quem olhar com atenção vai perceber uma cicatriz muito discreta encoberta parcialmente com os pelos da sobrancelha.

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