Perseguíamos um tico-tico |
FUNDA COM TIRAS DE BORRACHA |
Todo o guri, na época, tinha que ter uma funda; |
para se salvar refugiou-se numa moita espinhenta no meio do nosso potreiro. |
CAÇA AO
TICO-TICO
Houve época em que eu
sentava junto aos mais velhos para ouvi-los falar de antigamente. Os anos
passaram e hoje os papéis se inverteram. Cá estou eu contando histórias reais e
fictícias sobre coisas que ouvi, e das vivências próprias de épocas passadas.
Considero-me um privilegiado
por ter ao meu dispor a tribuna do jornal Ação e, assim, alcançar um grande
número de pessoas para divulgar ensinamentos, levar diversão e, resgatar alguns
aspectos da cultura de nossa gente.
Nos últimos anos, as coisas
mudaram muito rapidamente. Mesmo pessoas mais novas, vinte ou trinta anos,
viveram experiências hoje já ultrapassadas. Quem ainda utilizaria o vídeo gama
que há bem pouco tempo era um símbolo de modernidade. Nossos avós e bisavós
nasceram e morreram sem terem vivenciado mudanças sociais, tecnológicas e
culturais significativas.
Venho de um tempo em que
não tínhamos energia elétrica na nossa casa. Eram tempos em que fabricávamos os
nossos próprios brinquedos. Ainda que as crianças de hoje não consigam entender
isso, mas éramos felizes. Era divertido e educativo.
Todo o guri, na época,
tinha que ter uma funda; uma forquilha cuidadosamente colhida numa capoeira, um
couro tirado de algum chinelo velho e duas tiras de borracha cortadas de alguma
câmara de automóvel. As câmaras, na época, eram feitas de puro látex diferente
das de hoje fabricadas com borracha sintética e, por isso, sem elasticidade, imprópria
para fazer fundas.
Naquele domingo de
tarde, como de costume, saímos para caçar pelos potreiros. Perseguíamos um
tico-tico que para se salvar refugiou-se numa moita espinhenta no meio do nosso
potreiro. Cercamos a moita e disparamos fundadas de todos os lados tentando
acertar o coitado. Então o Flavio espichou sua funda e com toda força disparou
o tiro que atravessou a moita indo acertar a cabeça de Marialdo Chies no outro
lado da moita. A pedra fez um estrago significativo no supercílio deixando o
rosto dele todo ensanguentado. Nós todos ficamos apavorados. O Erno, que não
podia ver sangue, desmaiou. Marialdo mal podia caminhar. Meio cambaleando levamos
o guri para cima. Estávamos preocupados com a explicação que daríamos á nossa
mãe. Então ela tratou de lavar o ferimento com água oxigenada e fez um curativo
usando o kit de primeiros socorros que Tia Clara deixara lá em casa na última
vez que esteve nos visitando.
-Hora, disse ela,
amarrar os ferimentos com um paninho! É a total falta de higiene! Ela era
enfermeira no Hospital Santa Casa.
Por sorte, ao atravessar a moita, a pedra
perdeu força abrindo, somente, um pequeno corte. Por ter sido na sobrancelha
sangrou muito dando a impressão de um ferimento sério. Marialdo, ainda hoje,
tem uma pequena marca acima do olho esquerdo. Um desavisado nada percebe, mas
quem olhar com atenção vai perceber uma cicatriz muito discreta encoberta parcialmente
com os pelos da sobrancelha.
legal!
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