segunda-feira, 26 de abril de 2021

HÁ MUITO TEMPO A bronca de mamãe



HÁ MUITO TEMPO

A bronca de mamãe

 

Papai e mamãe se davam muito bem. Acho até que o Divino os criou para viverem juntos. Apesar de não demonstrarem seus sentimentos com gestos ostensivos formavam um casal harmonioso. Nunca os vi se beijarem ou se darem um abraço. Acho que isso é próprio dos alemães que, em geral, são muito reservados e econômicos em manifestar os sentimentos.

Não me lembro de ter ouvido levantarem a voz um para o outro a não ser uma vez:

 Eu ainda era criança quando aconteceu. O relógio, na sala, badalou anunciando duas da madrugada. Despertei sobressaltado. Algo inusitado estava acontecendo no quarto deles que ficava contíguo ao meu. Havia ali uma contenda. Pelo tom das vozes percebi que não eram conversas amistosas. Mamãe estava exaltada e praticamente só ela falava. Algumas vezes papai resmungava algum som monossilábico impossível de ser entendido. Em certa altura papai levantou a voz e então pude entender perfeitamente o que falou:

- Eu não comprei cerveja alguma, aliás, ninguém comprou. O Klein pagou tudo por que estava de aniversário.

 Jacó Edmundo Klein era o dono do comércio que havia comprado os porcos dos colonos. Depois disso mamãe foi se acalmando e aos poucos a paz voltou a reinar.

Os colonos, naquela época, faziam uma engorda por ano. Klein passava pela comunidade e avaliava o estado dos porcos. De preferência deveriam ser bem gordos pois os frigoríficos queriam a gordura para produzir bastante banha que era mais valorizada que a carne. Em algum dia combinado os colonos levavam seus porcos até a casa comercial. Em geral o transporte era feito em carretas, mas algumas vezes a manada "vara" era tocada estrada afora. Nesta ocasião o casal acompanhava a transação. Os homens verificavam a pesagem e as mulheres vinham fazer compras para repor os estoques que deveriam durar o ano todo até a próxima safra. Compravam brim para fazerem calças “hosse prim”, “pohmwol tuch” e alguns tecidos mais finos para camisas ou vestidos. Também compravam açúcar, sal, querosene, miudezas e alguma guloseima para a gurizada que ficava em casa. O dinheiro que não era gasto com as compras tinha que ser muito bem guardado por que só no próximo ano havia outra safra.

O dia da venda dos porcos sempre era muito esperado por todos pois nesta ocasião os colonos se davam ao luxo de gastar um pouco mais. Este ano, porém, para papai, não foi de boas recordações pois deve ter ouvido poucas e boas naquela noite.

A farra que Klein proporcionou foi assunto para várias conversas entre as mulheres quando se reuniam, nos domingos, para um joguinho de loto "víspora". Sabe-se que a bronca não aconteceu somente com meu pai e por isso os homens preferiram não se reportar ao acontecido.


 

segunda-feira, 19 de abril de 2021

COMO ANTIGAMENTE




 

 

COMO ANTIGAMENTE

 

 Se a expressão “antigamente” começa a aparecer, com frequência, nas nossas conversas é porque estamos ficando velhos. Quando eu era criança, adorava ouvir os mais velhos contar histórias de antigamente. Hoje, troquei de posição e aqui estou eu falando das minhas recordações e aprendizados. Conto casos, falo sobre costumes, tradições, crendices e superstições.

Num dia desses, estava cuidando do meu pequeno pomar quando um som familiar me fez lembrar os tempos de criança. Eram os gritos de um lavrador que estava lavrando numa roça aí por perto:

 -“Prá cima! Prá baixo! Hoit! Har! Astra! No rego!” e outras expressões do vocabulário pertinente.

 Antes do advento da agricultura moderna, toda a terra era arada com tração animal. Então, principalmente na primavera, ouvia-se, por toda parte, a gritaria dos colonos preparando as terras para o plantio.

Peguei a minha máquina fotográfica e fui procurar o lavrador. Era meu vizinho, Plínio Schneider preparando o terreno para plantar bata doce. Tirei várias fotos da parelha e, também, do cachorro que, como antigamente, estava acompanhando seu dono.

Ainda hoje pode-se encontrar agricultores cortando pasto nos barrancos das estradas para levarem para os animais.

Nos tempos modernos, os agricultores têm colheitadeiras para trilharem sua produção de cereais.

Claudio plantou uma rocinha de feijão. Ele fez a colheita do modo tradicional, como antigamente. Depois de maduros, arrancou os pés de feijão deixando-os secar ao sol.  Em seguida espalhou tudo sobre um pano e malhou com um mangual para debulhar os grãos. A safra foi boa e vai ter feijão para toda a família. Na casa do Cláudio ninguém vai passar fome neste ano. E, quem sabe, ainda sobre um ou dois kg para que ele possa cumprir a promessa que me fez quando estive lá para bater as fotos. 

 

 

domingo, 11 de abril de 2021

ÁGUA UM ELEMENTO VITAL




 

 

 

 

 

ÁGUA UM ELEMENTO VITAL

 

Quando os nossos antepassados vieram da Europa, sempre havia uma preocupação fundamental na hora de avaliarem uma propriedade. Uma fonte natural de água boa era vital para os primeiros colonos que aqui se estabeleceram. O valor da propriedade dependia das fontes de água. Os primeiros recebiam os lotes aleatoriamente sem direito de escolha. Então a primeira preocupação era verificar a existência de fontes de água.

 A escolha do local da moradia levava em conta a fonte de água. Algumas vezes construíam longe de estradas para poderem ficar próximos das fontes. Quando alguém quisesse vender ou comprar uma propriedade, uma boa fonte de água a valorizava sobremaneira.

 Quando uma propriedade não tinha uma fonte natural ou esta estivesse mal localizada procurava-se alguém que tivesse o dom de achar água mediante uma forquilha de pessegueiro. Pesquisando no Google pude ver que essa aptidão é conhecida em todo mundo e alguns países dedicam esforços para aprimorar esse dom que, sabemos, somente algumas pessoas possuem. Essa habilidade chama-se radiestasia ou hidromancia.

Então era cavado um poço e aí pegavam a água para o consumo. Muitas vezes caminhavam até duzentos metros morro acima e com baldes traziam para casa o precioso líquido. Esse trabalho era árduo e exigia muito tempo. Hoje, que a água escorre pela torneira, não nos damos conta das dificuldades e do trabalho que dava o abastecimento de água: uma chiqueirada de porcos, vacas, cavalos, cozinha, limpeza,  roupas, para tudo era trazida a água com baldes.

 Em Boa Vista um colono comprou uma bomba para puxar a água para casa. Foi ridicularizado e duramente criticado.

- Ele é um preguiçoso. Gastou todo o dinheiro de uma chiqueirada e vai saber se isso vai funcionar?

Mais tarde outros, também, compraram.

Uma vizinha lavava as roupas no potreiro onde passava um córrego. Ela usava uma tábua, uma espécie de raquete e batia nas roupas para facilitar a limpeza. Eu era um menino e um “mistério” me intrigava. Via ela batendo na roupa e sempre demorava alguns segundos até que eu ouvisse o som da batida. Bem mais tarde, já no colégio, desvendei o tal “mistério” numa aula de ciências. O professor explicou que a luz se propaga mais rápido (300 000 Km em cada segundo) que o som (340 m por segundo).

Conta-se que na localidade de Francesa também havia alguém que sabia achar veios de água.  Então, indicou o local exato e mandou cavar. Na terceira picaretada a água jorrou em grande abundância. Era o encanamento da CORSAN que passava justamente por aí.

Somos privilegiados por morarmos numa região do mundo com água em abundância.  Cuidemos muito bem dela.