segunda-feira, 30 de março de 2020

OS LINDOS DIAS DA INFÂNCIA DE OTTILIA Morgensland

casamento de Ottilia vogt com Valentim Hentz

Ottilia Hentz no dia do seu casamento







 OS LINDOS DIAS DA INFÂNCIA DE OTTILIA  

                                    Morgens Land


Era uma noite abafada de outubro. Otília estava muito cansada e queria dormir cedo. Tinha, porém, ainda uma tarefa a cumprir. Hoje era o seu dia de secar a louça. Quando, enfim, se desincumbira deste seu último afazer, beijou a mãe e o pai, deu boa noite para os irmãos e foi deitar. Fez as orações como sua mãe lhe ensinara e mesmo antes de terminá-las adormeceu. Este tinha sido um dia cheio de afazeres para ela. Logo, de manhã, fora para a aula. Ela morava longe, pelo menos meia hora de caminhada por um pique através da mata virgem. No inverno tinha que atravessar o mato ainda escuro, porém, agora, em outubro, já amanhecia mais cedo. Mesmo assim era assustador cruzar aquele mato, podendo ser atacada por um bicho selvagem ou até por um bugre como aconteceu com uma família lá em São Vendelino. Seu vizinho, o Butzen, que tinha voltado de Badenserthal, ouviu por lá a história do rapto de uma família enquanto o pai estava fora de casa. A mãe de Otilia, no entanto, tranquilizou a menina dizendo que os bugres não costumavam passar por esta região de Morgens Land. Mesmo assim, as crianças estavam assustadas e por isso andavam sempre juntas quando iam para a aula. Por sorte, em Morgens Land, moravam quatro famílias e todas tinham, também, filhos em idade escolar. Ao todo eram onze crianças. Assim a caminhada se tornava mais agradável e fazendo brincadeiras, pulando e cantando até esqueciam os bugres. Antes de conhecerem a história de São Vendelino as crianças tinham inventado uma brincadeira que consistia no seguinte: Cada aluno tinha uma bandeirinha com seu nome escrito nela. Em determinado ponto do caminho prepararam um lugar onde cada um fincava sua bandeirinha quando ali passava. Desse modo os colegas, sempre, sabiam quem já passara e quem ainda estava por vir. Agora, porém, por causa dos bugres, eles andavam sempre juntos, num único grupo. Otília e mais dois irmãos seus, a Ledvina e o Ignácio Floriano podiam esperar em casa até que todo o grupo se reunisse, pois a sua casa era a primeira das quatro, de Morgens Land.

De manhã, Otília despertou com o chamado da mãe. Era hora de levantar e dar conta de algumas tarefas antes de ir para a aula. Despejou um caneco de água numa gamela e lavou o rosto. Nesta hora o pai, a mãe e a Irmã mais velha, a Cecília, já estavam tomando chimarrão sentados em torno de uma chapa com o fogo aceso e crepitando. Quando o fogo crepitava assim a mãe costumava dizer que era sinal de visita. Certamente alguém, neste fim-de-semana, viria passear. Talvez o Tio Florian que era também seu padrinho.


 Assim estava começando mais um dia para a menina Otilia que, agora, já completara dez anos. 
Ottilia estava aliviada porque era sábado e amanhã, não precisaria ir para a aula e nem para a roça e, afora algumas pequenas tarefas, o dia era livre para o que quisesse fazer. Em geral toda a gurizada de Morgens Land se reunia no potreiro dos Gräf e lá inventavam os mais diversos tipos de brincadeiras. Um arroio cruzava o potreiro e uma das brincadeiras era pular por cima dele. Em alguns pontos ele era mais largo e quem conseguisse pular ali era considerado o melhor. Em geral quem ganhava essa disputa era o João Inácio, um dos filhos do Gäff. Ele era um menino forte e grande, porém generoso e amigo de todos. Apartava as brigas que aconteciam, se impunha e fazia justiça.


sábado, 21 de março de 2020

UM GOLPISTA VINDO DE TEUTÔNIA

Certo dia apareceu um comprador com um aero willys
Familia Royer

Pedro e Paulo.

casal Ignacio Leopoldo e celita Royer






UM GOLPISTA VINDO DE TEUTÔNIA

Por volta de 1970 Arroio Canoas descobriu que tinha solo e clima propícios para o cultivo da batatinha (bata inglesa). A batatinha sempre foi cultivada pelos nossos colonos, mas em pequena escala, somente para consumo próprio.
 Aloysio Schneider e Geocondo Chies foram os primeiros a cultivar a batata inglesa com objetivo comercial, e foram eles, também, os pioneiros a usar adubação química na cultura. Essa prática, além de ajudar na recuperação das terras, elevou substancialmente a produtividade.
No início, a utilização de fertilizantes químicos teve resistências entre alguns colonos e, somente depois de verem os bons resultados, começaram a aderir à prática.
Na época, a maioria das famílias eram numerosas. Esse fato veio a calhar pois, antes da mecanização, a cultura exigia muita mão de obra.
Foi uma época de fartura em Arroio Canoas e, éramos vistos como privilegiados pelas localidades vizinhas.
O fato aconteceu com a família de Ignácio Royer. A colheita, naquele ano, tinha sido farta e os porões dos colonos estavam cheios. (O porão era o melhor lugar para armazenar a batatinha). De todas as partes vinham compradores com caminhões que levavam até 100 sacos.
Certo dia apareceu um comprador com um aero willys na casa de Royer. Vinha de Teutônia e queria 7 sacos pois era o que cabia no seu velho automóvel. Depois de carregado propôs pagar tudo na próxima semana quando viria pegar outra remeça. Royer não conhecia o comprador e nem tinha referências sobre sua honestidade. Por isso não aceitou o proposto. Falou que pagasse os 7 sacos e que na semana seguinte negociariam novamente. Como esta tentativa não deu certo o golpista partiu para o plano B. Pediu um copo de água. Enquanto Ignácio foi buscar a água o gatuno se mandou.
Como o automóvel estava carregado e a estrada para Cafundó era estreita não pode desenvolver muita velocidade. Pedro, o filho mais velho, chamou seu irmão Paulo e desceram por um atalho. Era um pique aberto no meio do mato e, segundo seus cálculos, chegariam a Cafundó antes do golpista. E foi o que aconteceu. Tentaram atacá-lo, mas ele fez sinal que saíssem da estrada pois vinha para cima deles a toda velocidade. Sem alternativa saíram da estrada, mas ao passar por eles arremessaram as pedras que haviam recolhido imaginando que não iam conseguir parar o carro.
Pedro acertou a primeira pedra no para-brisa do Willys deixando-o esmigalhado. Mesmo assim ele não parou e seguiu rumo a Teutônia.
Os nossos colonos estavam sempre desprotegidos e sujeitos a todo tipo de adversidades. Dependiam do clima, do preparo do terreno, da qualidade das sementes, do ataque de insetos e de doenças como a “muchadeira” que, muitas vezes, punha a perder toda a plantação. E quando, finalmente, a colheita estava garantida, ainda vinham comerciantes inescrupulosos como aconteceu neste caso. Mas este foi um caso isolado e, em geral os comerciantes eram pessoas honestas.
                                                                                  

domingo, 15 de março de 2020

UM FANTASMA NA JANELA DO SÓTÃO II












  
UM FANTASMA NA JANELA DO SÓTÃO II

Tia Clara ainda era menina quando saiu de casa. Os padres a encaminharam para uma congregação religiosa onde ela pode estudar e, em troca, trabalhava para as irmãs: limpeza, cozinha, roupas das irmãs e, até, fazia hóstias como contou certa vez quando lhe perguntamos sobre o que fazia no colégio das freiras.
 As irmãs perceberam que a menina tinha jeito para lidar com doentes. Então, a encaminharam para um cursinho rápido de enfermagem. E foi assim que ela se tornou enfermeira no Hospital Santa Casa.
Apesar de morar em Porto Alegre durante quase toda sua vida, nunca esqueceu os parentes e a terrinha. Sempre que podia dava um jeito de vir nos visitar.
Já era inverno e sabíamos que a Tia viria. Meus irmão mais velhos odiavam quando ela vinha por que sempre tinham que ceder seu quarto enquanto eles iam dormir no sótão. Especialmente o meu irmão mais velho, o Nelson, odiava dormir no sótão. Dizia que por volta da meia noite, sempre, aparecia um fantasma na janela. (Um kexpenz, em alemão.) 
Naquele dia, voltando da roça, encheu os bolsos com pedras especialmente escolhidas para dar cabo desse intruso indesejado, caso se atrevesse aparecer novamente na janela.
E não deu outra. Quando o nosso relógio de parede deu doze badaladas anunciando meia noite, Nelson acordou e viu; Era um fantasma mulher com uma túnica toda branca e cabelos pretos que lhe encobriam o rosto. Estava sentada na soleira da janela descansando uma das pernas no parapeito.
Primeiro Nelson quis gritar, mas daí lembrou das pedras. E pensou:
- Hoje vou dar uma lição nesse bisbilhoteiro. Disparou toda a munição que havia recolhido na volta da roça.
Todos acordaram. Imagine o prezado leitor: meia noite, interior, no meio do nada, silencio sepulcral e de repente aquela saraivada de pedras contra a janela do sótão. Papai saltou da cama e subiu a escada correndo. Sem demora, toda a família estava lá em cima. Até Tia Clara subiu mas como era manca de uma perna chegou por último. E logo foi perguntando:
- O que foi isso, aquela barulheira?
Então Nelson falou:
Garanto que este aí nunca mais vai voltar.
No dia seguinte o assunto foi o fantasma. Ninguém quis acreditar que realmente estivesse alguém na janela.
- Vai ver que foram ratos, disse mamãe.