domingo, 17 de novembro de 2019

O CHUPIM 2








O CHUPIM 2

Quem mora no interior, certamente já viu, no início do verão, um ou dois passarinhos pretos piando de bico aberto atrás de um tico-tico. São filhotes de chupim pedindo comida.
 A má fama desse passarinho é notória.
Os chupins, para chocarem seus ovos e criarem os filhotes, procuram, ninhos de tico-tico. Destroem os ovos do tico-tico e no lugar deles põem os seus, para serem chocados. Algumas vezes, na mesma ninhada, têm filhotes de tico-tico e de chupim. Essa atitude deu-lhe fama de preguiço, explorador, desalmado e parasita. Por isso é xingado e condenado por todos.
Foi isso o que aconteceu, num domingo de tarde, quando a nossa família estava reunida sob um frondoso cinamomo comemorando o aniversário de Tia Clara. Dois filhotes de chupim, com o dobro do tamanho, perseguiam um tico-tico pedindo comida. O coitado, quando encontrava um petisco, alimentava ora um ora outro. E aí, como não podia ser diferente, o assunto era o chupim. O “vira-bosta” ou“Keilsreiter”, como também é conhecido, estava no banco dos réus. Só havia advogados de acusação. Todos viam, na conduta do “vira-bosta”, motivo de condenação, e a sentença morte foi proferida por Tia Clara ao dizer que um passarinho assim não merecia viver. Meu pai, que dificilmente concordava com a Tia, dessavez endossou suas palavras.
Quando todos os impropérios possíveis já haviam sido proferidos contra o réu, Norma, que é uma pessoa afável e bondosa, e tem um coração de ouro, disse:
- O tico-tico é um passarinho que, com toda a certeza, vai para o céu.
Fez-se, então, um silêncio. A frase de Norma caiu sobre o mar de acusações como um balde de água fria sobre a fervura. Cada um dos acusadores começou a repensar suas posições.
- Como podíamos condenar o chupim sem conhecer a história desse relacionamento? Disse Tia Clara e confessou, envergonhada, que sempre costumamos ver, somente, as coisas negativas de um acontecimento. Tio Ignácio que viera de São Salvador e que também fora um dos acusadores ferrenhos, passou para o outro lado e com ares de filósofo declarou:
-Não sabemos por que o tico-tico se sujeita a essa exploração.  Será uma dívida com o chupim? Será um simples ato de amor? Não sabemos. Nenhum de nós esteve lá no dia em que foi feito esse acordo. E é por isso que não temos o direito de julgar. Durante milhares de anos esse relacionamento deu certo. Quem somos nós para questioná-lo?
Aí, tio Ignácio elogiou a Norma pela feliz observação a respeito do assunto e perguntou se ela tinha algo mais a dizer.
- Tenho sim, disse. Há três coisas nesse mundo pelas quais eu tenho uma verdadeira paixão: Os passarinhos, as flores e as crianças.
 Durante a sua vida a Norma conviveu intensamente com as suas três paixões. Tem dez filhos e um monte de sobrinhos e netos que, também, a chamam de “Muti”. Mora em meio à natureza onde tem a companhia dos passarinhos. E ajudada pelo seu marido, sempre tem o pátio e o jardim floridos com muitas e lindas flores.
Certamente o prezado leitor deve conhecer mulheres e homens como Norma. Não são doutores em Teologia, não são professores nem catequistas, mas com a sua simplicidade e sabedoria são capazes de nos legarem preciosidades como esta.



Nenhum comentário:

Postar um comentário