O CHUPIM 2
Quem mora no
interior, certamente já viu, no início do verão, um ou dois passarinhos
pretos piando de bico aberto atrás de um tico-tico. São filhotes de
chupim pedindo comida.
A má fama
desse passarinho é notória.
Os chupins, para
chocarem seus ovos e criarem os filhotes, procuram, ninhos de tico-tico.
Destroem os ovos do tico-tico e no lugar deles põem os seus, para serem
chocados. Algumas vezes, na mesma ninhada, têm filhotes de tico-tico e de
chupim. Essa atitude deu-lhe fama de preguiço, explorador, desalmado e parasita.
Por isso é xingado e condenado por todos.
Foi isso o que
aconteceu, num domingo de tarde, quando a nossa família estava reunida sob um
frondoso cinamomo comemorando o aniversário de Tia Clara. Dois filhotes de chupim,
com o dobro do tamanho, perseguiam um tico-tico pedindo comida. O coitado,
quando encontrava um petisco, alimentava ora um ora outro. E aí, como não podia
ser diferente, o assunto era o chupim. O “vira-bosta” ou“Keilsreiter”, como
também é conhecido, estava no banco dos réus. Só havia advogados de acusação.
Todos viam, na conduta do “vira-bosta”, motivo de condenação, e a sentença
morte foi proferida por Tia Clara ao dizer que um passarinho assim não merecia
viver. Meu pai, que dificilmente concordava com a Tia, dessavez endossou suas
palavras.
Quando todos os
impropérios possíveis já haviam sido proferidos contra o réu, Norma, que é uma
pessoa afável e bondosa, e tem um coração de ouro, disse:
- O tico-tico é um
passarinho que, com toda a certeza, vai para o céu.
Fez-se, então, um
silêncio. A frase de Norma caiu sobre o mar de acusações como um balde de água
fria sobre a fervura. Cada um dos acusadores começou a repensar suas posições.
- Como podíamos
condenar o chupim sem conhecer a história desse relacionamento? Disse Tia Clara
e confessou, envergonhada, que sempre costumamos ver, somente, as coisas
negativas de um acontecimento. Tio Ignácio que viera de São Salvador e que
também fora um dos acusadores ferrenhos, passou para o outro lado e com ares de
filósofo declarou:
-Não sabemos por
que o tico-tico se sujeita a essa exploração. Será uma dívida com o
chupim? Será um simples ato de amor? Não sabemos. Nenhum de nós esteve lá no
dia em que foi feito esse acordo. E é por isso que não temos o direito de
julgar. Durante milhares de anos esse relacionamento deu certo. Quem somos nós
para questioná-lo?
Aí, tio Ignácio elogiou
a Norma pela feliz observação a respeito do assunto e perguntou se ela tinha
algo mais a dizer.
- Tenho sim, disse.
Há três coisas nesse mundo pelas quais eu tenho uma verdadeira paixão: Os
passarinhos, as flores e as crianças.
Durante a sua
vida a Norma conviveu intensamente com as suas três paixões. Tem dez filhos e
um monte de sobrinhos e netos que, também, a chamam de “Muti”. Mora em meio à
natureza onde tem a companhia dos passarinhos. E ajudada pelo seu marido,
sempre tem o pátio e o jardim floridos com muitas e lindas flores.
Certamente o
prezado leitor deve conhecer mulheres e homens como Norma. Não são doutores em
Teologia, não são professores nem catequistas, mas com a sua simplicidade e
sabedoria são capazes de nos legarem preciosidades como esta.
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