domingo, 20 de dezembro de 2015

CONVESCOTE PRIMEIRA PARTE.

Arroio onde fizemos o piquenique
Tia Clara
Para papai trouxe um molinete. 





CONVESCOTE

PRIMEIRA PARTE.

Era uma segunda feira de um verão escaldante. Estávamos almoçando quando o assunto “convescote” entrou em pauta. Papai já sabia há vários dias, que Tia Clara viria para fazer o tal de “convescote”, mas esperou até o último momento para falar a respeito como, aliás, sempre fazia quando o assunto a ser discutido o deixava incomodado.
- Agora essa! Fazer um “convescote”! Tem mais nada para inventar? Resmungou papai em resposta à explosão de euforia da criançada, apesar de, sequer, sabermos o que era isso.
- Sei lá, disse papai. Ela falou que também pode-se dizer “piquenique”.  Ela ouve essas bobagens lá na cidade e quer trazer a modo pra cá!
  Sempre que a Tia vinha ele ficava mal humorado. Eram irmãos, mas não conseguiam “comer no mesmo cocho”. Nós crianças, pelo contrário, adorávamos Tia Clara porque sempre nos trazia presentes. Dessa vez trouxe anzóis, linha de pescar, e boias coloridas para não afundarmos nas águas do arroio, pois nenhum de nós sabia nadar. Para papai trouxe um molinete. Na noite anterior tirou-o da caixa para montá-lo. Meio contrariado, mas vencido pela curiosidade, papai se aproximou e acompanhou a montagem do equipamento. Até, em certa ocasião, arriscou um palpite quando a Tia encaixou de maneira errada uma pecinha. Quando tudo estava montado quis saber para que servia esse tal molinete.
- Hora, para pescar disse ela educadamente.
- Porque não usa simplesmente um anzol, perguntou papai com ar de entendido.
- É para arremessar o anzol para longe, coisa que não se consegue somente com anzol e linha. Papai riu e para debochar da tia disse:
- Para onde quer jogar o anzol se o arroio onde vamos pescar tem no máximo três ou quatro metros de largura?
Dessa vez papai tinha razão e tia Clara ficou sem resposta. Então, meu irmão mais velho salvou a Tia da situação vexatória em que se metera dizendo que seria um equipamento útil para quando fôssemos à praia.
- É isso aí, concordamos todos.
- E quando vamos à praia? Perguntou papai, rindo novamente.
- Um dia levo as crianças. É claro, somente as crianças porque não quero que gente grande como tu agarrada na minha saia, alfinetou tia Clara.  Mamãe, percebendo que os ânimos estavam acirrados, disse que era hora de dormir.
No dia seguinte partimos sedo para o arroio Canoas.
Toda a família foi. Papai meio a contragosto teve que ceder, pois queria que meus irmãos mais velhos e ele ficassem em casa para capinar na roça de milho. Mas diante do protesto deles e os argumentos de mamãe ele capitulou e concordou que todos fossem.
Quando íamos partir meu irmão mais velho disse:
- E as minhocas?
Então tirei da minha mochila uma latinha e me fazendo de importante falei:
- Ah se não fosse eu!
O dia estava lindo e mesmo antes do nascer do sol partimos levando lanches, equipamentos e água potável. Apesar dos protestos de Tia Clara papai levou a espingarda com vários cartuchos carregados.
- Nunca se sabe, disse. Alguma cobra ou outro bicho perigoso...
O final dessa história vou contar na próxima edição desse jornal. Aguardem!


domingo, 13 de dezembro de 2015

TRÊS FERRADURAS








  TRÊS FERRADURAS

Certa noite, há muitos anos, meu irmão mais velho disse ter visto um fantasma. Viu três luzes pairando sobre um banhado dentro do nosso potreiro. Nesta mesma época, trabalhava por aqui um negro que construía taipas. Chamavam-no “Schwartz Monuel” e era corcunda. Ele disse que tais fogos apareciam onde tinha ferraduras enterradas.
A pesar de respeitar a sabedoria popular que, em geral, encerra muita filosofia, sou cético em relação a fatos extraordinários. Custo acreditar em milagres, crendices, fantasmas, magias, forças do além e etc. Porém, o nosso folclore está tão cheio dessas crenças que se fôssemos citá-las encheríamos várias páginas de um livro.  Acho que a maioria das coisas “extraordinárias” que acontecem em nosso entorno não resiste a uma investigação séria.
Mas aquelas luzes intrigantes, a toda hora, emergiam na minha memória até que fui procurar no Google uma explicação que pudesse me satisfazer. Dizem os adeptos da internet que lá se encontra tudo. Achei o seguinte:(Fogo-fátuo (ignis fatuus em latim), também chamado de Fogo tolo ou, no interior do Brasil, Fogo corredor ou João-galafoice, é uma luz azulada que pode ser avistada em pântanos, brejos etc. É a inflamação espontânea do gás dos pântanos (metano), resultante da decomposição de seres vivos.)
Essa é a explicação científica. No entanto, a versão do negro corcunda não me saia da cabeça. Estaria enterrada uma ferradura aí no banhado? Ou talvez três? Porque eram três bolotas de luz duas maiores e uma menor.
Há alguns dias, o Eitor, que é o atual proprietário, resolveu fazer daquele banhado um açude. Duas máquinas trabalharam vários dias e removeram centenas de metros cúbicos de lama. Então ele veio me contar que achou uma ferradura em meio àquela lama toda. Logo me lembrei das três bolas de luz, da história do meu irmão e do negro corcunda. Mas alguma coisa não estava batendo. Eram três luzes e uma ferradura.
 Pasmem os prezados leitores que dois dias depois o Eitor me procurou para dizer que achou mais duas ferraduras e uma delas bem menor.  Senti um calafrio perpassar o meu corpo. Será que a versão do negro corcunda tinha algum fundamento? Tudo se encaixava perfeitamente, a não ser um pequeno detalhe: a origem da ferradura menor. Então os mais antigos me disseram que, uma vez, o Padre Alfredo Bley vinha de São Pedro atender os fiéis da nossa comunidade montado no lombo de um burrico. Ficava hospedado na nossa casa e o asinino era solto no nosso potreiro. O enigma estava resolvido. A menor era uma ferradura do burrico do Padre Bley.
 Sei que é difícil, ao prezado leitor, acreditar numa história dessas, mas quem duvida deve procurar o Eitor Hentz. Inclusive ele me disse que vai fazer uma moldura onde ficarão expostas as três ferraduras. Quem sabe esteja nascendo, aí, uma lenda: A “Lenda das Três Ferraduras”. E talvez elas tragam sorte ao Eitor e a quem vier visitar o sítio dele.
Mas eu continuo não acreditando em fantasmas.


segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

A QUEM PERTENCE A TERRA?

Gruta Azul em Bonito
Para cada lado da rodovia que se olhasse, só se via plantações de milho e soja.

Creio que florestas nativas e exuberantes ocupavam tudo aquilo
Passeio de barco pelo Rio Paraná

Passeio de barco pelo Rio Paraná




 A QUEM PERTENCE A TERRA?

Na terra vive um número incalculável de formas de vida. Nós somos uma dessas formas. Compartilhamos esse mundo com todas as outras. O Criador colocou à nossa disposição toda essa maravilha. Quando digo à nossa disposição me refiro a todos os seres vivos e não somente ao ser humano. No entanto, temos a soberba de ignorar esse direito e nos apossamos de tudo o que bem entendemos.
Fiz uma excursão ao Pantanal sul-mato-grossense. Sentei no primeiro banco do ônibus para apreciar as paisagens que se sucediam durante o percurso. Viajávamos durante o dia, e de noite dormíamos em hotéis. Saímos do Rio Grande, atravessamos o oeste de Santa Catarina e do Paraná e grande parte do Mato Grosso do sul. Durante todo esse trajeto a paisagem se manteve inalterada. Para cada lado da rodovia que se olhasse, só se via plantações de milho e soja. Essas duas culturas ocupavam, praticamente, todos os espaços. Até aonde a vista alcançava a monotonia daquele verde se impunha. Então me perguntei:
- Quem vai comer todo esse alimento?
E sabemos que o que vi é uma ínfima parte do que produzimos. Tem ainda o Mato Grosso, Goiás, São Paulo e outros estados.
Imaginei como seria toda essa extensão de terras antes da chegada de “civilização”. Creio que florestas nativas e exuberantes ocupavam tudo aquilo. E essas florestas, com certeza, abrigavam uma diversidade muito grande de vida selvagem.
Sentimo-nos no direito de ocupar tudo em detrimento de quem estava lá. Alegamos que precisamos de alimentos para sustentar a população mundial. Achamos que podemos expandir a nossa espécie (Homo Sapiens) indefinidamente sem nos importar com as outras formas de vida. Esse planeta está aí para ser compartilhado por todos. Ele não pertence unicamente ao ser humano.
Eliminamos os nossos predadores (pestes, guerras, doenças, epidemias) e estendemos nossa expectativa de vida sem prestarmos atenção para a superpopulação. Hoje temos gente demais no mundo. Se não houvesse pessoas para comer todos os alimentos que produzimos então não precisaríamos de tanta área plantada. Haveria espaço para florestas e vida selvagem.
A nossa sociedade está assentada no “processo de crescimento”. Enquanto pudermos crescer tudo é fácil. Mas não podemos fazer isso infinitamente. Uma vez se fabricava coisas para durarem. Hoje se fabricam descartáveis; para que se possa produzir mais, vender mais, expandir, ocupar todos os espaços. O nosso planeta é limitado. Ou alguém duvida disso? Quem sabe, depois a lua ou... ou...
 Eu ainda prefiro ficar por aqui.