segunda-feira, 10 de novembro de 2014

TIA CLARA E O VEXAME

A palha era descartada num local da propriedade
e durante muitos dias era motivo de brincadeiras e diversão para a gurizada.

Mais tarde, a prefeitura de Montenegro forneceu máquinas modernas tocadas a motor,
 facilitando a vida dos colonos.



 TIA CLARA E O VEXAME



Em épocas passadas, por todo este interior, os colonos, além de muitas outras coisas, também, semeavam trigo. As propriedades precisavam bastar-se tanto quanto possível. Hoje, ninguém mais pensa em cultivar este cereal. Os agricultores compram a farinha e muitas vezes, até o pão.
Lá no início da colonização, o trigo era trilhado com mangual. Depois, surgiu uma máquina tocada à força humana. Dois homens fortes giravam um equipamento que debulhava as espigas. O trigo saía junto com a palha sendo necessário, depois, separar a sujeira dos grãos. Era, ainda, um processo primitivo, trabalhoso e árduo.
Mais tarde, a prefeitura de Montenegro forneceu máquinas modernas tocadas a motor, facilitando a vida dos colonos. Mas a evolução não parou por ai.  Hoje, um único homem sentado com todo o conforto em sua ceifadeira faz o trabalho de centenas de trabalhadores braçais.
 Depois do trigo recolhido nas roças, a máquina passava pela comunidade e, mediante o pagamento de uma taxa, cada colono podia trilhar seu trigo. A palha era descartada num local da propriedade e durante muitos dias era motivo de brincadeiras e diversão para a gurizada.
Quando Tia Clara soube em que dia a trilhadeira passaria em nossa casa, deu um jeito de vir.
 Ela adorava estas ocasiões e sempre se mostrava muito prestativa.  Recolhia algumas espigas que os trabalhadores deixavam cair e recomendava que tivessem mais cuidado. Também, abria o saco para despejar o trigo debulhado.
 Na trilhadeira havia um ventilador que sugava o ar para produzir uma correnteza que separava os grãos da palha. Tia Clara, num momento de descuido, passou perto do ventilador que, juntamente com o ar, sugou, também, seu vestido e a saia de baixo (una rock) deixando-a só em trajes íntimos. Ela tinha muito pudor e ficou extremamente vexada com a situação. Todos tínhamos um grande carinho pela Tia, mas ninguém conseguiu segurar-se e a gargalhada foi geral. Diante da atitude de todos, ela saiu daí o mais rápido que pode. Não conseguia correr porque estava manca devido a uma sequela que ficara de um tombo que levou quando ia aprender a andar de bicicleta. Minha mãe acudiu-a e a conduziu para dentro de casa.
Depois de muito trabalho meu pai conseguiu desvencilhar o vestido do ventilador, porém não sem deixá-lo todo despedaçado. Tia Clara não saiu mais de dentro de casa naquele dia. Mais tarde nós, gurizada, fomos consolá-la. Dissemos que foi uma fatalidade. Que ela não teve culpa e que não ficasse aborrecida. Dissemos que a amávamos muito e que aquilo para nós significava nada.
 –Pois é, disse ela, mas todos riram de mim. Então pedimos desculpas.
 No dia seguinte ela já esquecera o fato e voltou a ser a Tia de sempre. O vestido que mamãe teve de emprestar-lhe ficou apertado nela, mas não houve outro jeito.
Quando embarcou no ônibus meu pai disse que ela deveria fazer um regime por que seu vestido estava apertado. Ela ainda quis responder, mas o ônibus já estava partindo e a porta fechada. Papai esperou o momento certo para mexer com ela. Nós só vimos o dedinho dela apontando na direção de papai, mas não pudemos mais ouvir os seus impropérios.
Quando o ônibus já havia partido tivemos que rir. Mamãe disse:
-Coitada!


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