Urna eletrônica de terceira geração usado na Argentina |
O POVO DA REPÚBLICA
Diante de um dilema
Nas salas de espera, há geralmente um aparelho de TV ligado. É uma forma de entreter as pessoas fazendo com que a espera não se torne excessivamente entediante.
Depois de muitos anos de observação comecei a perceber que, invariavelmente, o mesmo canal era sintonizado.
Caímos nessas armadilhas sem nos darmos conta. Depois de anos de domínio de uma mesma orientação, o vício foi sendo incrustado nas instituições.
O responsável para ligar o aparelho de TV, com certeza não é o prefeito, o secretário da saúde, o ministro ou alguém que ocupa um alto posto na hierarquia governamental.
Naquela manhã o povo acordou eufórico. O bom senso fora vitorioso nas eleições. Novamente havia esperança. O povo, pelas ruas, se manifestou com faixas de “ACABOU A ROUBALHEIRA”.
Mas, a administração austera trouxe muita insatisfação. Os viciados em facilidades não quiseram entregar o seu status, e passaram a lutar, bravamente, pelos privilégios perdidos.
A administração da república, depois de muitos anos, estava viciada. Os agora derrotados, tiveram anos de tempo para aparelhar as instituições; a imprensa, o supremo, as universidades, o sistema educacional, tudo estava viciado. Os expoentes da cultura estavam revoltados pela revogação de leis que os beneficiavam e se engajaram na onda de protestos. Uníssonos tratavam de boicotar, criticar e colocar toda sorte de empecilhos. A abstinência os impelia para ações irracionais contra a república. Tudo valia desde que obstaculizasse a nova administração.
Diante do quadro o povo sugeriu impor o bom senso pela força entendendo que não havia outra alternativa. As ruas foram tomadas exigindo intervenção. Mas a serenidade do mandatário prevaleceu. Norteado pelo espírito democrático dirigiu-se a nação:
- Se eu fizer isso sei que serei ovacionado nos braços do povo. Mas a minha responsabilidade é grande e eu preciso pensar no dia seguinte.
E usou uma figura para justificar sua conduta:
Se tivermos um balde com água suja não devemos derramar toda a água porque junto com a sujeira também vamos sacrificar todas as coisas boas. A solução será acrescentarmos, constantemente, água limpa até que um dia haverá só água limpa no balde. É um exercício demorado e difícil, mas o único que poderá nos transformar em uma nação virtuosa.
A república está num dilema. O povo será chamado proximamente. Talvez decida por continuar a colocar água limpa no balde.
Mais um texto de ficção. Qualquer semelhança é mera coincidência.
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