terça-feira, 6 de dezembro de 2022

UM PASSO PARA TRÁS Kokoró e kikiri  

Kikiri estava morto

Tigrao estava todo esfolado

Tigrão

 

 

UM PASSO PARA TRÁS

Kokoró e kikiri

 

Tenho uma pequena criação de galinhas. Há algum tempo, nasceu uma ninhada. Eram várias galinhas e dois galos: O Kokoró e o Kikiri.

Como a maioria dos prezados leitores sabe, dois galos no mesmo terreiro não se aturam e se ninguém intervir brigam até as últimas consequências. É o que teria acontecido com os meus dois galos não fosse a sensatez de um deles. Kikiri analisou criteriosamente a situação e resolveu abdicar do seu direito de disputar a hegemonia do galinheiro. Achou por bem dar um passo para trás.

 Kokoró comandava, absoluto, as ações no terreiro. A paz reinava entre os galináceos. Kikiri se contentava com as raras vezes que conseguia copular com alguma galinha se aproveitando de momentos de distração de Kokoró. Porém, quando este percebia a tramoia intervinha com rigor e Kikiri era obrigado a se recolher a sua condição de subalterno evitando assim contendas sangrentas.

Num dia desses, fui a Tupandi atendendo a um convite do meu filho para passar, com ele, o fim de semana. Ao voltar estranhei a presença de um galo estranho no meu quintal. Era o Tigrão do vizinho todo preto com ares de superioridade, forte e altivo. Seu nome, “Tigrão”, lhe fazia jus.

 Mas havia algo de anormal. Ele estava todo esfolado e com a cabeça ensanguentada. Quando me viu vazou-se daí correndo para casa. De noite, quando fui fechar o galinheiro, dei por falta de Kokoró. O que teria acontecido?

No dia seguinte encontrei-o escondido num buraco. Estava morto.

Quando Tigrão invadiu o seu território, Kokoró, por não ter aprendido a dar um passo pra trás, enfrentou o invasor com coragem e galhardia. Tigrão era um galo velho, experiente com enormes esporas nas patas. Kokoró não foi páreo para ele. Kikiri testemunhou tudo mas, muito prudente, não se meteu na briga dos dois.

Hoje Kikiri reina absoluto no seu harém. Graças ao seu bom senso e ao aprendizado que a vida lhe ensino poderá transmitir seus genes para as futuras gerações que, a final de contas, é o verdadeiro motivo das contendas que os machos galináceos são impelidos a travar.

Talvez não somente galináceos.  

Algumas vezes convém dar um passo para trás

 

terça-feira, 29 de novembro de 2022

HISTÓRIAS DA NOSSA HISTÓRIA – Arroio Canoas



 


 

 

 

HISTÓRIAS DA NOSSA HISTÓRIA – Arroio Canoas

 

Em geral, os nomes das localidades surgem informalmente. Através do uso, aos poucos, vão se tornando populares até que sejam reconhecidos oficialmente.

Assim, aconteceu com Arroio Canoas.

Quem me contou foi Pedro Käfer que, mesmo antes da ocupação, esta localidade já tinha o seu nome. Contou-me Pedro que alguns moradores da região de Linha Clara, hoje município de Teotônio, descobriram que por estas paragens havia uma enorme Timbaúva. A madeira da timbaúva é leve e resistente, própria para construir canoas. Resolveram apossar-se daquela árvore, (as terras ainda não tinham dono), para fazer canoas. Como seria impraticável levar a enorme árvore para casa, resolveram construir, aqui mesmo, as canoas. Com certeza, vinham trabalhar e pernoitavam por aqui durante algumas noites. Então, quando queriam se referir a este local diziam: “lá nas canoas”. Aos poucos, ficou só Canoas e o Arroio foi-lhe acrescentado, talvez, porque, realmente, aqui existe um arroio e provavelmente foi por esse arroio que escoaram as canoas.

 Aldo Migot, no seu livro História de Carlos Barbosa,cita Jean Roche que no seu livro “A Colonização Alemã no Rio Grande do Sul” reproduz um mapa sobre as terras particulares no vale do Rio Caí, em que a “Linha Canoas” aparece como tendo sido fundada em 1878 por Einloft.

 Portanto o nome de Arroio Canoas “Linha Canoas” é anterior à chegada dos primeiros colonos, pois Pedro Käfer, o pioneiro, chegou somente em 1895.

O nome científico da timbaúva é “Enterolobium Contortisiliquum”. Fornece uma madeira muito leve, portanto própria para a fabricação de pequenas embarcações como Caicos e canoas. Lembro que meu pai, Giocondo Chies e outros faziam gamelas com cedro ou com timbaúva.

A timbaúva ocorre desde o Pará até o Rio grande do Sul. Suas sementes estão alojadas em vagens que se parecem com orelhas de macacos e por isso, popularmente, a árvore é conhecida, em alguns lugares, como orelha de macaco. Quando criança lembro que juntávamos estas “orelhas de macaco” para brincar.

Esta é mais uma história que devemos ao Pedrinho que morreu com 102 anos e ficou lúcido até alguns meses antes de morrer. Visitava-o seguidamente e muitas das histórias de “antigamente” foram-me contadas por ele.

 

 

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

O SÓTÃO 2




 

 

O SÓTÃO 2

 

 

Já era junho e o inverno prometia ser rigoroso naquele ano. Por várias manhãs os potreiros amanheceram brancos. Lembro que em alemão dizíamos:

- “te xímel hot sich kewenzelt”. O que significa:- “O tordilho branco rolou na grama do potreiro”.

Foi numa semana assim que tia Clara veio passear.

A casa onde moro, antes, pertencia a meu pai e, antes ainda, a Pedro Käfer o pioneiro de Arroio Canoas. Havia três quartos. Meus pais ocupavam um, as meninas outro, e mais um para os guris.

 Quando alguma visita vinha pousar aqui em casa, os guris, tinham que ceder seu quarto. Foi o que aconteceu na semana da visita da Tia Clara. A mãe espalhou alguns colchões de palha de milho “xtrosak” no sótão e foi lá que tivemos que nos alojar. Em geral não gostávamos desta situação, mas como era para a Tia Clara, ninguém reclamou. Somente um detalhe preocupava a nossa mãe. O irmão mais velho estava com conjuntivite.

 - “Vai que ele passa frio naquele sótão e a doença piora!”, pensava ela. Menos mal que tínhamos várias cobertas de penas de ganso sobejando de modo que todos ficaram bem protegidos do frio.

Meu irmão mais velho sempre levantava mais cedo pois tinha como compromisso tratar toda a bicharada. Naquela manhã a conjuntivite estava mais aguda e as pálpebras estavam grudadas de tal modo que ele nada     enxergava. Levantou assim mesmo para se desincumbir da sua tarefa com os bichos. Quando chegasse na cozinha lavaria os olhos. Como nada enxergava, foi tateando à procura da escada para descer do sótão. Confiava na sua intuição pois já descera aquela escada tantas vezes! Imaginando que já estivesse posicionado para pisar no primeiro degrau, deu o passo, mas seu pé não achou o degrau e foi rolando escada abaixo provocando um grande alvoroço. Todos acordaram e vieram correndo para saber o que tinha acontecido.

 Depois de exaustivamente examinado pela Tia concluiu-se que nada de mais grave havia acontecido. Somente uma bola se formou na testa em consequência de uma batida num dos degraus da escada. Daí meu irmão se deu conta que, mesmo sem se lavar, os olhos estavam abertos.

Naquela manhã todos levantaram cedo pois ninguém quis voltar para a cama. Papai fez fogo no fogão a lenha e todos nos aconchegamos no seu entorno. Mamãe colocou vários punhados de pinhão na chapa e enquanto a cuia passava de mão em mão comemos os pinhões que papai abria com um martelo próprio para isso que ele mesmo fabricara.

 

O assunto naquele dia foi o tombo do meu irmão.