CAÇANDO UM TUCANO
Venho de um tempo em que
não tínhamos energia elétrica na nossa casa. Eram tempos em que fabricávamos os
nossos próprios brinquedos. Ainda que as crianças de hoje não consigam entender
isso, mas éramos felizes. Era divertido e educativo.
Todo guri tinha que ter
uma funda: uma forquilha cuidadosamente colhida numa capoeira, um couro tirado
de algum chinelo velho e duas tiras de borracha cortadas de alguma câmara de
automóvel. As câmaras, na época, eram feitas de puro látex diferente das de
hoje, fabricadas com borracha sintética, pouco elásticas, impróprias para fazer
fundas.
Naquele domingo de
tarde, como de costume, saímos para caçar pelos potreiros. Perseguíamos um
tucano que para se salvar refugiou-se numa moita espinhenta no meio do nosso
potreiro. Para impedir que o coitado fugisse cercamos a moita disparando
fundadas de todos os lados. Os tiros partiam de todas as fundas, mas ninguém conseguia
acertar o alvo. Então Flavio escolheu
uma pedra bem redondinha, espichou sua funda e com toda força disparou. O tiro
atravessou a moita indo acertar a cabeça do meu irmão Plínio que estava no
outro lado. A pedra fez um estrago significativo no supercílio deixando o rosto
dele todo ensanguentado. Nós todos ficamos apavorados. O Erno, hoje falecido,
que não suportava ver sangue, desmaiou. Plínio mal conseguia caminhar. Meio
cambaleando levamos o guri para cima. Estávamos preocupados com a explicação
que daríamos à nossa mãe. Então ela tratou de lavar o ferimento com água
oxigenada e fez um curativo usando o kit de primeiros socorros que Tia Clara tinha
trazido para nós lá de Porto Alegre.
Por sorte, ao atravessar a moita, a pedra
perdeu força abrindo, somente, um pequeno corte. Por ter sido na sobrancelha
sangrou muito dando a impressão de um ferimento sério. Plínio, ainda hoje, tem
uma pequena marca acima do olho esquerdo. Um desavisado nada percebe, mas quem for
olhar com atenção vai perceber uma cicatriz muito discreta encoberta
parcialmente com os pelos da sobrancelha.
Neste nosso interior, quem
foi criança naquela época, teve uma infância feliz.
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