segunda-feira, 27 de julho de 2020

CAÇANDO UM TUCANO







                             CAÇANDO UM TUCANO


Venho de um tempo em que não tínhamos energia elétrica na nossa casa. Eram tempos em que fabricávamos os nossos próprios brinquedos. Ainda que as crianças de hoje não consigam entender isso, mas éramos felizes. Era divertido e educativo.
Todo guri tinha que ter uma funda: uma forquilha cuidadosamente colhida numa capoeira, um couro tirado de algum chinelo velho e duas tiras de borracha cortadas de alguma câmara de automóvel. As câmaras, na época, eram feitas de puro látex diferente das de hoje, fabricadas com borracha sintética, pouco elásticas, impróprias para fazer fundas.
Naquele domingo de tarde, como de costume, saímos para caçar pelos potreiros. Perseguíamos um tucano que para se salvar refugiou-se numa moita espinhenta no meio do nosso potreiro. Para impedir que o coitado fugisse cercamos a moita disparando fundadas de todos os lados. Os tiros partiam de todas as fundas, mas ninguém conseguia acertar o alvo.  Então Flavio escolheu uma pedra bem redondinha, espichou sua funda e com toda força disparou. O tiro atravessou a moita indo acertar a cabeça do meu irmão Plínio que estava no outro lado. A pedra fez um estrago significativo no supercílio deixando o rosto dele todo ensanguentado. Nós todos ficamos apavorados. O Erno, hoje falecido, que não suportava ver sangue, desmaiou. Plínio mal conseguia caminhar. Meio cambaleando levamos o guri para cima. Estávamos preocupados com a explicação que daríamos à nossa mãe. Então ela tratou de lavar o ferimento com água oxigenada e fez um curativo usando o kit de primeiros socorros que Tia Clara tinha trazido para nós lá de Porto Alegre.
 Por sorte, ao atravessar a moita, a pedra perdeu força abrindo, somente, um pequeno corte. Por ter sido na sobrancelha sangrou muito dando a impressão de um ferimento sério. Plínio, ainda hoje, tem uma pequena marca acima do olho esquerdo. Um desavisado nada percebe, mas quem for olhar com atenção vai perceber uma cicatriz muito discreta encoberta parcialmente com os pelos da sobrancelha.
Neste nosso interior, quem foi criança naquela época, teve uma infância feliz.

domingo, 19 de julho de 2020

OS LINDOS DIAS DA INFÂNCIA DE OTILIA V Chegada dos Butzen





OS LINDOS DIAS DA INFÂNCIA DE OTILIA  V


A chegada dos Butzen


Estávamos em novembro, sábado de tarde, e as crianças de Morgensland estavam alvoroçadas. Ansiosamente esperavam a chegada da família Butzen que viria se juntar às três, que já moravam aí. Os adultos, também, aguardavam a chegada dos novos moradores prontos para ajudar no que fosse preciso. Os homens ajudariam a descarregar a mudança e as mulheres se encarregariam de organizar os poucos pertences no paiol que seria a residência provisória. Os Butzen estavam vindo de Badenserthal (Julio de Castilhos) e traziam a mudança numa carreta puxada por uma junta de bois. O pai vinha montado no cavalo e a mãe com seus dois filhos em cima da carreta junto com a mudança.
O Senhor Butzen, já durante alguns meses, vinha para Morgensland preparar os primeiros roçados e construir um paiol enquanto a família permanecia em Badenserthal na casa dos pais aguardando o dia da mudança.
Com a chegada dos Butzen eram quatro as famílias moradoras de Morgensland. Gräf, Vogt, Berwian e os Butzen. Escolheram esta linda e ensolarada terra para dela fazerem a sua “Heimad”. E denominaram a localidade de “Morgensland” que pode significar a “terra do porvir” ou a “terra do sol nascente”, e aí plantariam seus sonhos e esperanças. E a terra foi generosa retribuindo-lhes com abundantes frutos todo amor que lhe dedicaram.
Esses foram os quatro pioneiros de Morgensland todos oriundos de Koblens, Alemanha. Por esse motivo, mais tarde, a região passou a denominar-se Cobléns. Porém, muitos antigos, ainda, usavam a denominação “Morgensland” para se referirem à localidade como, por exemplo Pedro Käfer e Erma Vogt esposa de Francisco Hentz.
Mais tarde vieram os italianos. Os Butzen, Berwian e os Vogt retornaram para Badenserthal. Conta-se que essas três famílias abandonaram Cobléns porque não simpatizavam com os italianos. Principalmente as mulheres não queriam os italianos por perto porque temiam que fossem namorar com suas filhas ou por simples preconceito. Mas a família Gräf não arredou pé.
- Trabalhei muito para preparar essa terra e agora não vou fugir daqui com o rabo no meio das pernas. Se algum filho desses italianos pisar no meu pátio vai levar chumbo.
A família Gräf foi a única dos quatro pioneiros, que permaneceu.
Hoje, os Gräf, formam uma família numerosa e sua influência foi relevante no contexto social e econômico de Cobléns.
Apesar do medo inicial, o preconceito cedeu seu lugar para uma convivência fraterna e harmoniosa a tal ponto que a grande maioria dos Gräf,  acabou se casando com italianos.
Esses relatos que conto são baseados em fatos reais colhidos em livros, cemitérios e, principalmente, fruto de muitas conversas que tive com os antigos que foram testemunhas da história de Cobléns.


sexta-feira, 10 de julho de 2020

OS LINDOS DIAS DA INFANCIA DE OTÍLIA IV Primeiro amor de Otília


casamento Otília e Valentim






Otília











OS LINDOS DIAS DA INFANCIA DE OTÍLIA IV

 

Primeiro amor de Otília


Anna Margarida Rockenbach Vogt e João Vogt eram os pais de Otília. A mãe, há dias, estranhava o comportamento da filha. Otília nunca gostou de ir para a escola. Tinha medo do professor Jacop Ritter por que, seguidamente, ele a castigava por não saber a lição ou porque errava as contas.  Por sorte, Tereza, sua melhor amiga e vizinha, retomava a lição enquanto iam para a aula. Era meia hora de caminhada, e isso, muitas vezes, a salvava de ter que se ajoelhar na frente da turma por não saber a lição.
De repente, a menina era a primeira a se arrumar para a aula e ficava esperando, lá na estrada, os demais colegas de Morgensland. Essa atitude surpreendente intrigava a mãe a tal ponto de comentar o fato com João seu marido. O que teria acontecido?
O nome dele era Valentim. Durante a chamada prestou atenção:
-Valentim Hentz.
Ele era um menino bonito, peito largo, educado e inteligente. Só a lembrança dele fazia seu coração disparar. Valentim era novo na escola e não tinha amigos. No recreio não brincava com as outras crianças, e ficava sentado numa pedra comendo a merenda. A tristeza do menino machucava o coração da pequena Otília.
 Um dia reuniu toda sua coragem e, durante o recreio foi ter com ele. Na noite anterior sua mãe havia feito rapadura com melado e amendoim. Seria a merenda para levar para a aula. Quando Otilia recebeu o seu quinhão, pediu dois pedaços.
- Como assim, dois pedaços? Até parece que tem um namoradinho nesta história, disse a mãe Margarida. Otília ficou corada porque esses assuntos do coração não eram tratados com muita naturalidade naqueles tempos.
Valentim olhou espantado para a menina. Ninguém se importava com ele e agora a menina mais bonita da aula veio falar com ele e lhe trouxe uma rapadura! Otília só entregou a guloseima e saiu correndo com o coração disparado.
De noite teve coragem para falar com a mãe. Queria saber quem era Valentim.
Margarida conhecia a história dos Hentz:
- A mãe de Valentim viuvara com a morte de José Hentz. Eles moravam em Campestre e a viúva Luiza casou novamente com Pedro Käfer vindo morar com seu novo marido em Arroio Canoas. Ela tina 7 filhos, entre eles o pequeno Valentim em idade escolar.
Otília ficou com o coração partido ao saber da história do menino. Agora sabia os motivos da tristeza de Valentim. Tinha perdido o pai e teve que deixar para trás sua terra natal e seus amigos para vir morar numa terra estranha com uma família desconhecida.
Os dois se tornaram grandes amigos. Todos os dias, se viam, e no recreio conversavam. Um dia Valentim lhe trouxe um caqui. Por aqui ninguém conhecia essa fruta. Um tio, que morava em Harmonia, trouxe vários e Valentim logo se lembrou da sua pequena amiga.
Valentim foi uma bênção na vida da menina Otília. Ela tornou-se uma aluna exemplar e nunca mais precisou ser castigada.
O destino, no entanto, cruelmente os separou. A família Vogt voltou para Badenserthahl pois os pais de João estavam velhos e precisavam de alguém para morar com eles.
Otilia chorou ao dar um abraço de despedida em Valentim.
 E foi nessa hora que o menino fez a promessa:
- um dia compraria um cavalo e iria buscá-la.
Valentim cumpriu sua promessa. Casou com Otília e foram fieis até que a morte de Valentim os separou em 1970.
Valentim e Otília foram meus pais. Por influência de papai minha mãe se tornou leitora assídua, e nas noites frias do inverno de Arroio Canoas nos reuníamos ao redor do fogão para ouvir mamãe ler histórias do Paulusblatt.