terça-feira, 29 de setembro de 2015

UM EXEMPLO DE VIDA? Germano Schneider

Germano tem oitenta e sete anos e jamais adoeceu.

Nao gosta de ser fotogrado

Xingou quando viu que estava sendo fotografado

Mora sozinho, em Arroio, no Sagrado, numa casa construída pelos pais,
 que está caindo aos pedaços






UM EXEMPLO DE VIDA?
Germano Schneider


Talvez, nos últimos cinquenta anos o mundo tem caminhado, célere, ao encontro da sofisticação. Desde que o homem habita a terra nunca criou tanto e inovou com tanta rapidez como agora. Tudo muda tão rapidamente que temos dificuldade de acompanhar essa constante modernização. Então nos esforçamos para não sermos taxados de antigos ou fora da moda.
O Germano Schneider não é assim. Enquanto o mundo caminha para a modernidade ele volta ao passado. Não conhece celular, comunicação por Email, WhatsApp, Facebook e tantas outras novidades a disposição do homem moderno. Tudo isso faz a mínima diferença na vida dele. O que faz diferença é o frio que faz as bergamotas caírem mais cedo, o abacateiro que carregou poucas frutas neste ano ou um vizinho ter derrubado um capoeirão onde ele costumava colher quaresmas e outras frutas silvestres. E, apesar de receber um salário mínimo de aposentadoria, não se importa se a Dilma vai dar ou não um aumento aos aposentados. É verdade que, todos os meses, vai ao banco em Barão retirar sua aposentadoria, mas em vez de gastá-la com algum conforto só retira o troco e o resto deposita numa poupança. Aliás, até bem pouco tempo, caminha até Barão (11 km), para não precisar gastar com passagem. Hoje, pega um ônibus porque já não aguenta mais a caminhada.
Os íntimos garantem que ele tem uma pequena fortuna depositada em poupança. Segundo essas pessoas ele costuma dizer:
“Este dinheiro veio do governo e vai voltar para o governo”.
Germano tem oitenta e sete anos e jamais adoeceu. Ninguém sabe quando tomou seu último banho ou se já fez isso alguma vez na vida. Mora sozinho, em Arroio, no Sagrado, numa casa construída pelos pais, que está caindo aos pedaços. Durante sua vida não precisou de médico, psicólogo, juiz ou advogado. Enquanto a humanidade se afasta da natureza ele convive com ela. Jamais se queixou de stress, insônia ou dor de cabeça. Para ele uma segunda feira vale tanto quanto um sábado. Só presta atenção ao calendário mensal para retirar sua aposentadoria da conta corrente e depositá-la na poupança.
Já falei do Germano há cinco anos. Ele continua bem de saúde levando a sua vida simples. Após relutar, muito aceitou abandonar sua velha casa e veio morar numa casinha construída pelo Dirceu Schnorremberger.
Não quero apresentá-lo como um modelo a ser seguido, porém com certeza lições importantes poderíamos aprender do seu modo simples de encarar a vida.


terça-feira, 22 de setembro de 2015

REENCONTRO

 Este é o esboço do terceiro livro de uma trilogia que começa com HOMO SÁPIENS NO PLANETA AZUL deopois ELIS MAE DE DOIS MUNDOS, e este REENCONTRO. Ainda, não foi editado e está sujeito a alterações e correções.



Dia 23/06/2011 5ª feira, Corpus Cristi.


O REENCONTRO



Um carro parou na Estrada Geral de Arroio Canoas bem em frente a minha casa. Duas mulheres desembarcaram e desceram pelos trilhos que levam à minha garagem. Eram jovens elegantemente vestidas, bonitas, e aparentavam idade de vinte e cinco anos.
- Podiam ter descido com o carro em vez de estacioná-lo lá na estrada, falei depois de retribuir o cumprimento de boa tarde.
- Não costumamos fazer isso porque as pessoas, e com razão, sentem desrespeitado o direito de privacidade, falou uma delas. Mas se permitires trago o carro para dentro.
 Então ela foi pegar o carro e o estacionou em frente à minha garagem que fica contigua à minha casa; mais precisamente, entre a casa e a cozinha.
 Era o que poderia chamar-se de “carrão”. Um modelo que não lembro ter visto alguma vez. Mas não dei muita importância por que transitam tantos modelos por aí que parei de querer identificá-los: nacionais, importados, da China, da Coréia e de tantos outros lugares do mundo como se não nos bastassem os fabricados por aqui.
Quando a moça motorista voltou convidei-as para entrarem. Disse que faria um chimarrão se aceitassem tomá-lo comigo. Disseram que não queriam violentar os meus hábitos. Sabiam que eu só tomava chimarrão de manhã e que não me preocupasse, pois sabiam que morava sozinho e que eu não tinha muitas coisas em casa para oferecer a uma visita tão inesperada. Mas aceitariam o convite para entrar.
 Sentamos na cozinha. As duas lado a lado, e eu em frente a elas. Uma chamava-se Luna e a outra Fernanda. À medida que conversávamos uma perturbação foi tomando conta de mim. Essas duas mulheres, com quem jamais havia me encontrado, sabiam tudo sobre mim. Conheciam a minha intimidade sabiam de detalhes da minha vida que jamais eu havia revelado a quem quer que fosse.  Sabiam dos meus gostos e desgostos. Das virtudes e defeitos. Dos hábitos, da minha rotina diária, dos relacionamentos, dos sonhos, projetos e decepções, dos meus amores, desamores e paixões. Sabiam da Jussara, da Carmem Lúcia, da Helena e da Genoveva. Sabiam da Claudia! Sabiam tudo!
Minha mente entrou em parafuso. Meu rosto palpitava e o coração disparou. Eu tentava digerir o conteúdo da conversa, mas tudo era tão surpreendente e inesperado que a minha cabeça se negou a continuar a pensar.
Eu estava atônito. Sentado aí diante delas fiquei sem ação. Tentei dizer alguma coisa, mas nada me ocorreu que pudesse fazer sentido. Tentei levantar-me para pô-las para fora da minha casa.
 – Ora, ninguém tinha o direito de invadir a minha privacidade desse jeito.
Então, uma de cada lado, seguraram, carinhosamente, as minhas mãos e me olharam, fixamente, nos olhos. Agora falavam comigo sem emitir uma só palavra. Eu entendia perfeitamente o que diziam. Era uma comunicação tão perfeita que não havia espaço para interpretações e ruídos. Pediram que me acalmasse. Que entendiam o meu estado de perplexidade, mas que eu tinha uma missão a cumprir que não podia ser delegada a nenhum outro ser do universo. A palavra “universo” me assustou. De repente, me dei conta do alcance da missão que queriam atribuir-me. Não se tratava de uma ação no nosso pequeno planeta terra. A minha missão tinha alcance universal.
 O toque das nossas mãos e a comunicação perfeita me acalmava.  Eu entendia tudo, mas não sabia emitir esse tipo de comunicação. Eu dependia de palavras para expressar-me. Explicaram que este era o primeiro estágio da comunicação por telepatia. Eu só as entendia e, por enquanto, ainda, necessitava de um contato físico e por isso seguravam as minhas mãos. Essa comunicação vinha tão clara e efetiva que me fez confiar plenamente naquelas duas moças.
Então me pediram para que as acompanhasse por que queriam apresentar-me ao seu chefe. Entramos no carro. Uma delas sentou de um lado, eu no meio e a outra, do outro lado. O interior do veículo era muito estranho. Vi que não tinha volante nem qualquer outro instrumento de comando que normalmente equipam os nossos carros comuns. Somente um teclado e um visor que, certamente, eram usados para dirigir aquele veículo.
 Quando olhei para o banco de trás levei um grande susto. Sentava ali um ser muito estranho como nunca havia visto antes. Tinha aparências de humano, mas seu corpo apresentava transformações tais que ele não podia ser identifica como pertencente a nossa espécie. Tinha uma cabeça enorme, absolutamente desproporcional ao resto corpo. Seus braços e pernas eram muito finos e alongados. O tórax era desenvolvido, mas o abdômen parecia atrofiado. Tentei fugir dali, mas a moça que sentava do meu lado direito olhou fixamente nos meus olhos, segurou-me pela mão e então a comunicação, novamente, fluiu límpida. Ele era o chefe delas. Chamava-se Áquilus. Era o responsável pela missão que os trouxe para a terra. Era um cientista de grande prestígio entre o seu povo e lhe fora confiada a tarefa de salvar a espécie humana. A moça pediu-me que desse a mão ao estranho ser para que ele se comunicasse pessoalmente comigo. Ele estendeu o seu longo braço em minha direção. Pude ver que só tinha três dedos: polegar, indicador e o médio. Os dois outros eram somente uns arremedos, certamente, atrofiados devido ao desuso. Senti asco ao tentar segurar sua mão, mas a moça me encorajou assegurando-me que nada havia para temer. Quando toquei em sua mão uma onda de serenidade invadiu todo o meu ser. Iniciando pela cabeça a onda foi tomando conta de todo o meu corpo. Era uma sensação de paz, segurança, bem estar e de absoluta confiança no ser que se comunicava comigo. Nada de palavras. Somente impressões, sentimentos, conceitos e sensações. A comunicação fluía de uma mente para outra sem a necessidade de codificação e decodificação. Tudo vinha para mim com absoluta clareza e com tamanha nitidez que com facilidade me inteirei sobre suas intenções, angústias e propósitos.  Disse-me que neste tipo de comunicação não há a mínima possibilidade de mentir, trapacear ou enganar o interlocutor.
- Podemos omitir informações, mas não passá-las com erros.   
Eu não estava hipnotizado, drogado, ou sujeito a qualquer outra forma de submissão mental. Estava absolutamente consciente do que estava acontecendo e tinha a percepção de tempo e espaço. A única coisa extraordinária era a comunicação que em tão pouco tempo me conscientizou da minha responsabilidade e com absoluta disposição para participar deste projeto que há tão pouco tempo jamais eu podia imaginar. Através dessa fantástica forma de comunicação este ser me imbuiu de toda a situação problemática da qual sua civilização se tornara vítima. Estavam num, “beco sem saída”. Não sabiam como voltar. Perderam as coordenadas do caminho da volta que os levara para a situação em que se encontravam. Então vieram pedir socorro. O povo do seu planeta estava falindo e o rumo da nossa caminhada, aqui na terra, indicava para nós o mesmo destino. Precisavam da nossa colaboração para tentar salvar-se e conscientizar-nos da necessidade absoluta de mudar a nossa trajetória sob pena de cairmos nas mesmas armadilhas das quais eles não tinham mais capacidade de saírem sozinhos.
A NOSSA HISTÓRIA
A porta se fechou e percebi, vagamente, que nos deslocávamos. Nada pude perceber além do habitáculo do carro. Os vidros não permitiam visibilidade alguma para fora. Era como se uma película poderosa impedisse a transparência dos vidros. Nada podia ser percebido além do ambiente interno daquele veículo que, eu já não tinha mais certeza se era um carro ou uma nave espacial. Eu devia estar apavorado com o que estava acontecendo, mas a comunicação com o ser mantinha a minha tranquilidade. Eu tinha absoluta consciência da minha segurança. Sabia que eles precisavam de mim, que vieram em paz e que precisavam tratar-me com fidalguia. Entendi, claramente, que o que queriam de nós era somente colaboração. O que precisavam não nos prejudicaria. Queriam novamente aprender a viver de forma natural. Queriam poder, novamente, nascer e morrer conforme as leis da natureza. O seu povo estava cansado. Eles haviam mergulhado numa vida artificial de tal modo que pelos próprios meios não encontravam mais saída.
De repente, a transparência dos vidros foi restabelecida e a porta se abriu. Enquanto estava aberta um sistema entrou em ação. Era como se um potente jato de ar empurrasse de volta tudo o que quisesse entrar. Então o estranho ser largou minhas mãos interrompendo aquela comunicação que me mantinha confiante e sereno. Levantou-se e saiu do veículo e vi que se dirigiu para uma construção diferenciada pelo seu estilo e acabamento. Ao largar a minha mão fiquei inseguro e um pavor começou a se apossar de mim. Porém, as duas moças seguraram as minhas mãos restabelecendo aquela comunicação interrompida por um momento. Estávamos numa área bem grande cercada por um muro alto. Através dos vidros vi construções de vários tamanhos, uma espécie de galpões, e vi criaturas mecânicas transportando caixas de um galpão a outro. Alguns seres semelhantes a Áquilus também caminhavam por aí como se estivessem controlando o que aqueles robôs faziam. Mais tarde, fiquei sabendo que eles também eram seres mecânicos.
Então vi que do prédio onde Áquilus entrara saíram dois indivíduos que vieram em nossa direção.  Luna me explicou que seriam meus professores de telepatia.
 Embarcaram no carro onde estávamos as duas moças e eu. Então, a porta se fechou e a transparência dos vidros foi interrompida. Novamente, tive uma leve impressão de que nos deslocávamos. Os dois seres assumiram a comunicação comigo segurando as minhas mãos. Eles me ensinariam tudo sobre essa maneira fantástica de comunicação. Combinamos que em uma ocasião oportuna manteriam, novamente, contato. Eu deveria organizar a minha vida de modo que pudesse ficar ausente da minha rotina por algum tempo.
Quando as portas se abriram, novamente eu estava no pátio da minha casa. Desci do veículo. Aí, bem diante de meus olhos, vi aquele carro elevar-se vagarosamente até a uma altura de uns dois metros e, de um momento para o outro sumir sem deixar vestígios.
 O que estava acontecendo? Aquilo era um sonho? Fiquei, aí, perplexo e imóvel não sei por quanto tempo. Só saí do transe quando ouvi a voz do meu vizinho atrás de mim perguntando se eu estava bem. Aos poucos, fui tomando consciência da realidade. Então perguntei ao vizinho:
- Você viu aquilo?
-O Carro? Perguntou. Vi. Estava estacionado no teu pátio. Mas não o vi saindo. Achei estranho. Quem eram? Foram para onde? O que queriam?
As perguntas do meu vizinho pipocavam na minha cabeça. Não sabia o que responder. Enfim, disse que eu estava bem, que não se preocupasse comigo e que eu só precisava descansar um pouco.

CAPITULO III

Era abril de 2011. Eu estava envolvido com os preparativos do meu passeio que faria ao Rio de Janeiro. A viagem era somente um pretexto para me ausentar de casa e poder me encontrar novamente com aqueles seres como ficara combinado. Quando embarquei vi, com surpresa, que aquelas duas moças já me esperavam no avião. Uma delas sentou no banco ao meu lado e a outra atrás de mim. A que sentou do meu lado segurou a minha mão e aí passamos a nos comunicar por telepatia. Eu somente entendia essa comunicação. Ainda não conseguia emitir meus pensamentos. Aliás, esse era um dos objetivos desta viagem. Aprender telepatia.
 Tínhamos pela frente uma viagem de avião de duas horas. Eu estava muito curioso e queria conhecer a história delas. Então, me contou:
- Numa noite eu estava desesperada. Havia-me prostituído por que perdera o emprego. Sem dinheiro, sem família sem amigos, não havia mais a quem recorrer. Fora maltratada por homens cruéis e desalmados. Eu não suportava mais viver assim. Da ponte Rio-Niterói ia jogar-me nas águas da Baía da Guanabara. Então, do nada, apareceu aquele veículo que já conheces. A porta se abriu e fui puxada violentamente para dentro. Quando vi aqueles seres estranhos, fiquei apavorada. Havia três deles no carro. Um pilotava e os dois outros sentaram comigo no banco traseiro. Eu me debatia e gritava. Estava apavorada. Então disseram que iriam me ajudar se houvesse colaboração da minha parte. Eu estava no fundo do poço. O que poderia perder? Já vendi meu corpo a tantos homens, poderia vendê-lo também a esses seres que, talvez, me tratariam melhor do que muitos brutamontes que não sabem o que é sentimento, o que é uma mulher. Então me disseram que não queriam sexo, precisavam de mim para outra finalidade. Quando me seguraram pelas mãos uma onda de serenidade invadiu todo o meu ser. Acalmei-me como se tivesse tomado um poderoso tranqüilizante. Aquela comunicação através das mãos era uma coisa fantástica. Nunca me sentira tão bem e tão segura. Confiava plenamente neles apesar daquela aparência repulsiva.
 Aprendi tudo sobre eles; Avanços tecnológicos, telepatia, sociedade, costumes, aspirações, modo de vida, religião e suas aflições. Depois fui buscar essa minha amiga que estava numa situação semelhante a minha. Contei lhe tudo. Ela concordou e veio comigo. Os seres haviam pesquisado tudo sobre você e concluíram que duas mulheres bonitas não teriam nenhuma dificuldade para convencê-lo a colaborar com o propósito deles. Toda a nossa preparação tinha um único objetivo: você.
-Eu? E porque eu?
- Fomos preparadas e instruídas para executarmos, com perfeição, nossa tarefa. Fora Áquilus que, estudando o comportamento do nosso povo aqui na terra, percebeu semelhanças consistentes com eles apesar da aparência física marcadamente desigual. Ele é o maior cientista daquele povo. Já o conheces, pois veio quando tivemos o nosso primeiro encontro. Ele é o nosso chefe. Há muito tempo Áquilus acompanhava a história da nossa evolução se inteirando de tudo o que acontecia por aqui.  Havia uma similaridade muito grande entre a evolução deles e a nossa. Percebeu que, apesar de sermos uma sociedade primitiva, e diferentes na aparência e estrutura físicas, trilhávamos os mesmos passos que eles, há milhares de anos. Um dia deparou-se com o teu segundo livro onde citas “ORUS”, o planeta deles. Analisou, cuidadosamente, o conteúdo e concluiu que realmente poderíamos ser irmãos. Um exame laboratorial confirmou sua tese.  Apesar de, aparentemente, termos diferenças marcantes éramos, geneticamente, irmãos. A história que contas no teu segundo livro tinha fundamento. Era, cientificamente, viável. A partir daí foi montado um plano para possibilitar esse contato do qual fazemos parte. Por teres sido o depositário da inspiração que seus ancestrais longínquos enviaram, há duzentos mil anos, entenderam que serias a pessoa ideal para a execução da tarefa que o plano se propõe. Então quis saber que plano era esse e que participação eu teria nele. Porém, nesse momento, o piloto anunciou que iríamos pousar.
Desembarcamos no Galeão. As duas moças seguravam-me pelas mãos e me conduziram ao estacionamento do aeroporto onde embarcamos no carro que eu já conhecia. Sentei no banco de trás onde sentavam, também, os meus dois professores. Através do toque das mãos se comunicavam comigo por telepatia. Rodamos até um lugar ermo e então me informaram que partiríamos para Orus, um planeta distante duzentos mil anos luz da terra, onde moravam. A condutora do carro acionou alguns comandos e aí tive a sutil sensação de um movimento ascendente. Meus interlocutores confirmaram a minha suposição e informaram que em breve estaríamos em Orus. Quis saber como isso era possível se a distância entre os dois planetas era de duzentos mil anos luz. Então me disseram que viajávamos a essa velocidade graças à combinação de duas forças conjugadas: o “Controle da Gravidade” e o “Controle da Inércia”. Essas duas forças combinadas permitiam velocidades absolutamente espantosas. Desenvolvemos, durante anos, essa tecnologia e fomos atingindo velocidades cada vez maiores até alcançarmos o “PONTO R”. Com a descoberta do “PONTO R”, disseram, não há mais limites de velocidade. Para nós não há lugar inatingível no universo. Com o mapeamento das rotas programamos as naves que nos levam ao destino preestabelecido. Somente, duas dificuldades, ainda, não transpomos. Os Buracos negros cuja atração é tão forte que nada escapa da sua força gravitacional, e a “velocidade relativa” quando dois objetos se movem na mesma direção fazendo com que relativamente a velocidade fique abaixo do “PONTO R”. Isso impede a “perpassagem” provocando a colisão entre os dois corpos. Quis saber o que era o “PONTO R” e “perpassagem”.
- É uma unidade de velocidade que quando atingida por um corpo em relação a outro, os dois se perpassam sem sofrerem qualquer dano.
Tudo isso era absolutamente extraordinário. Esse povo que atingiu tal avanço tecnológico e científico tinha vindo à terra em busca de ajuda. Que tipo de ajuda estaria precisando?

CAPITULO IV

Estávamos em Orus. Conduziram-me a uma cabina blindada onde me preparariam para sobreviver naquele planeta. Disseram que sua atmosfera era muito semelhante à da terra, mas que alguns procedimentos se faziam necessários para que me adaptasse, com segurança, a ORUS e não corresse riscos. Fui imunizado contra todos os microorganismos e passaria algum tempo em observação para avaliarem a minha adaptação às características do planeta como: temperatura, umidade do ar, composição da atmosfera, gravidade ligeiramente maior, pressão atmosférica, luminosidade e etc. Mesmo durante o período de adaptação os meus professores deram início aos exercícios de telepatia. A primeira etapa consistia na separação física.  Começava com as mãos dadas que aos poucos eram separadas. No início a comunicação sempre interrompia com a separação das mãos. Aos poucos eu já conseguia receber a comunicação a pequenas distâncias. Era maravilhoso poder me comunicar assim. Primeiro ela vinha deturpada, mas aos poucos foi clareando. Meus instrutores estavam animados com os meus progressos. Agora já se comunicavam comigo de fora da cabina, portanto sem contato visual. Esta era mais uma etapa deste aprendizado que eu estava vencendo. A telepatia tem vários estágios que podem ser alcançados mediante esforço, dedicação e persistência. Porém, além disso, é preciso talento. Algumas pessoas não conseguem ultrapassar os primeiros estágios. Outros, como Áquilus, desenvolveram essa aptidão ao seu ponto máximo.
- Eles são chamados de “OS MÁXIMOS”. Devemos ter somente uns cinco ou seis deles aqui em Órus, disseram-me os instrutores. Foi graças ao preparo de Áquilus que conseguimos as informações a teu respeito. As que te deixaram perplexo quando aquelas duas mulheres foram te procurar na tua casa.
 Eu já estava liberado da minha quarentena e me movimentava, livremente, por aonde quisesse. Por enquanto isso era feito a pé. O único meio de transporte existente em ORUS era um equipamento que se valia do controle gravitacional. Era um pequeno aparelho preso na cintura que, quando acionado, Livrava o usuário da gravidade permitindo elevar-se a altura desejada e depois dirigir-se para aonde quisesse. Porém, esse equipamento por enquanto não estava a minha disposição porque, antes, teria que submeter-me a um treinamento rigoroso e, assim, poder utilizá-lo com segurança. Era um equipamento individual e cada pessoa podia dispor de um, desde que se submetesse ao treinamento.
Enquanto treinava, Luna e Fernanda me assessoravam constantemente. Haviam sido preparadas para essa função. Elas eram duas jovens bonitas, educadas, atenciosas, enfim, uma companhia útil e agradável.
 Agora eu já estava passando para outra etapa do meu treinamento em telepatia. Aprenderia a emitir as mensagens. Por enquanto eu, ainda, utilizava a fala e, eventualmente, a escrita para externar meus pensamentos. Luna e Fernanda faziam o papel de interprete e somente através delas eu podia comunicar-me com os orianos. Nesta fase do treinamento o elemento essencial era a fé. Eu precisava acreditar, com toda a convicção, que a minha mensagem seria recebida pelo interlocutor. Foi uma etapa muito difícil, porém essencial. Depois desta fase eu já estaria apto para me comunicar por telepatia. Havia outras fases, porém eram especializações que no futuro, talvez, eu faria. Outro aspecto difícil desta fase era selecionar os pensamentos que eu queria emitir. É como se você estivesse conversando com alguém e fosse falando tudo o que lhe viesse na cabeça sem a capacidade de selecionar as mensagens para serem emitidas.
Eu e as duas mulheres, minhas assistentes, desenvolvemos fortes laços de afetividade. O que nos atraía não estava bem definido, mas, talvez, por sermos os únicos semelhantes aí, criamos esse vínculo.  Muitas vezes, fazíamos longas caminhadas pelos arredores do acampamento o que me proporcionou um conhecimento mais detalhado do planeta. Certo dia, Fernanda disse estar indisposta e, por isso, não nos acompanhou no passeio que já se tornara rotina. Caminhamos, sem destino. Andávamos de mãos dadas o que facilitava a comunicação. Ela contou-me sobre sua vida, a fase difícil pela qual passara, detalhes traumatizantes da sua experiência de prostituição, do convite que Fernanda lhe fez para se juntar a ela nesse projeto do qual, agora, fazíamos parte. Deixei-a falar porque entendi que ela precisava disso e, conhecer sua história era interessante para mim.
Desta vez, por sugestão de Luna, seguimos por uma trilha que não havíamos percorrido ainda. Ao longe avistamos uma praia. As águas eram límpidas e uma espécie de palmeiras formava pequenos bosques junto à orla. Era um lugar paradisíaco. Sentamo-nos à sombra de um desses bosques sobre a areia macia e refrescante. Luna estava linda, deslumbrante. Acariciei sua mão e um desejo irresistível se apoderou de mim. Ao beijar seus lábios ardentes percebi que ela correspondia à minha iniciativa. Nada mais poderia nos conter. Cedemos aos apelos do instinto e nos entregamos, incondicionalmente, a essa força incontrolável da natureza. O mundo que nos rodeava desapareceu. Nada mais existia além da paixão que nos dominava. A natureza agia em nós com toda a sua força selvagem. Assim ficamos neste êxtase até que Luna me alertou:
- Veja, temos platéia!
 Com surpresa, reparei que um grande número deles se aglomerava em torno de nós assistindo ao que fazíamos. Vi rostos com expressões de surpresa, de espanto ou curiosidade. Alguns tinham se afastado um pouco do local e se mostravam enojados. A situação me deixou constrangido. O que seria aquilo? O que significava? Uma platéia para nos assistir fazendo sexo!? Pedi para Luna se comunicar com eles, mas ninguém quis se manifestar. E, um após outro, se retiraram acionando seus equipamentos de transporte individual.

CAPITULO V

 Aquele ato fora planejado com a cumplicidade de Luna. Precisavam conhecer a reação do povo presenciando uma cena, assim, com dois humanos se entregando de forma natural às exigências do instinto selvagem. Luna confessou-me isso momentos antes de sermos recebidos por Áquius.
 Aquilo me fez muito mal. Entregara-me com tanta autenticidade àquele momento! Falei-lhe em tom ofensivo, que ela havia desempenhado muito bem seu papel de prostituta. Que os anos de prática fizeram dela uma profissional perfeita. Que jamais eu teria desconfiado que aquele ato, aparentemente, carregado de emoção pudesse ter sido planejado e executado friamente por ela. Então me segurou pelas duas mãos e me olhou profundamente nos olhos. Disse que queria se comunicar comigo por telepatia para que eu tivesse absoluta certeza do que sentia na alma. Fora, sim, um ato planejado. Porém, que, em nenhum momento, precisou fingir qualquer emoção. Fora uma experiência sublime e mágica que a fez esquecer, por instantes, todos os momentos de violência e humilhação aos quais teve que se sujeitar como profissional do sexo.
O depoimento sincero de Luna me devolveu a serenidade. Agora, já na sala de Áquilus, entendi que ela também fora usada, mas que conseguiu transformar aquela cena manipulada em um momento digno. Ela era, realmente, uma mulher de valor!
Áquilus sentou-se diante de nós e nos segurou pelas mãos. Luna e eu, também, nos damos as mãos fechando o círculo. Pediu desculpas por nos ter submetido àquele momento planejado, mas que, aquilo era absolutamente necessário para o plano em execução. Precisavam conhecer a reação do povo diante de uma cena de sexo praticada de forma natural com todos os elementos emocionais pertinentes. Precisavam saber o que, ainda, sobrara do instinto.  Disse que em Orus, há milhares de anos, não se praticava mais sexo da forma original. Tudo começou, disse ele, quando o abolimos como meio de procriação. Os nossos cientistas inventaram a técnica da clonagem para procriarmos. Aparentemente, essa técnica apresentava inúmeras vantagens. Criávamos os indivíduos conforme o nosso desejo. Nunca mais nasceram crianças defeituosas ou retardados mentais. Selecionamos indivíduos com qualidades intelectuais, físicas, mentais, afetivas e emocionais desejadas e deles tiramos os clones, nossos filhos. Eles nasciam perfeitos de acordo com os nossos ideais.  Inicialmente os embriões eram implantados e se desenvolviam nos úteros das mulheres, mas depois as liberamos, também, desse compromisso. Passamos a criá-los em úteros artificiais. Muitas mulheres, e também naturalistas, protestaram, mas seus argumentos foram ignorados devido às, supostas, vantagens que a clonagem oferecia: elas se livrariam dos incômodos da gravidez e da experiência traumatizante do parto. O feto não corria mais riscos de descuidos maternos e acidentes que poderiam interferir na sua formação, portanto sujeito a nascer com defeitos físicos psíquicos ou afetivos. Teria no útero artificial as condições ideais de alimentação, de administração de substancias que lhe davam a impressão de emoções favoráveis ao seu pleno desenvolvimento física, mental e emocional. Não correria riscos de traumatismos, acidentes e lesões por ocasião do parto.
Diante do quadro, o sexo não passava de um simples instrumento de prazer. E para não corrermos riscos de uma gravidez sexuada acidental, esterilizávamos todos os indivíduos do sexo masculino. Essa prática tornou-se um ritual. Todos os meninos, ao nascerem, eram esterilizados. E assim fomos apurando a nossa sociedade. Os indivíduos indesejáveis morriam sem serem clonados. Só nasciam, ainda, indivíduos altamente qualificados. Tornamo-nos uma sociedade formada por talentos em todas as áreas da atividade humano. Não havia mais obtusos, desequilibrados emocionais e psíquicos, e deficientes físicos. E como é da natureza humana optar pelo mais fácil esse método de procriação tornou-se prática amplamente aceita entre nós.  É claro que isso não aconteceu de uma geração para a outra. Tudo foi um processo lento e exaustivamente debatido. Muitos idealistas se opunham mas, diante das, aparentes, vantagens seus argumentos foram perdendo espaço. E depois de milhares de anos éramos uma sociedade perfeita formada por indivíduos perfeitos. Orgulhávamo-nos do nosso status quo e nos referíamos às gerações passadas como um simples trampolim para esta situação ideal que vivíamos. Desbancamos a natureza e assumimos as rédeas do nosso destino. E como a natureza sempre descarta tudo o que não tem função, o sexo, sem seu papel natural de procriar, foi perdendo, também, seu atrativo prazeroso. Os nossos cientistas estudaram todos os elementos do prazer sexual e inventaram a “máquina do sexo” que usamos até hoje. Ela proporciona aos usuários todas as emoções prazerosas do ato natural. Além disso, tem a vantagem de ser absolutamente higiênico e de não depender da boa vontade de algum parceiro. Tem sempre a garantia do prazer e em grau máximo de satisfação.Tornamo-nos um povo orgulhoso e prepotente. Nada mais podia nos afetar, nos diminuir.
Porém, essa situação ideal foi se deteriorando e alguns estudiosos, depois de milhares de anos, começaram a perceber atitudes doentias de relacionamento entre os indivíduos e sinais evidentes de decadência da nossa sociedade. Eram sábios observadores do comportamento e se autodenominavam: “OS MISSIONÁRIOS DA VOLTA”. No começo havia poucos, mas no transcorrer do tempo aumentava o rol de adeptos.
Hoje, humilhados, estamos pedindo socorro a vocês, um povo que consideramos atrasado e do qual rimos e nos enojamos devido a sua estrutura e aparência físicas diferentes da nossa. De quem debochamos porque apresenta mais dois dedos nas mãos sem finalidade alguma, e que preserva um apêndice engraçado que os machos usam para se relacionar com suas fêmeas, num ato que consideramos primitivo e absolutamente anti-higiênico. Estamos de joelhos diante de vocês, um povo que ainda mantém um sistema ultrapassado de comunicação que muitas vezes causa desavenças entre indivíduos, comunidades, países, povos e nações. Nós, que nos movemos sem limite de velocidade e de fronteiras pelo universo, e que controlamos, aparentemente, todas as variáveis que nos proporcionam conforto, segurança e bem-estar. Nós estamos pedindo socorro por que não sabemos como sair do atoleiro em que nos metemos. Esquecemo-nos que fazemos parte de um todo do qual dependemos, por mais que os nossos avanços intelectuais, tecnológicos e científicos nos sugiram independência e autonomia. Julgamo-nos gestores do universo. Esta “ERA” da nossa história é denominada ERA ÚNICA” e com toda a arrogância nos autodenominamos “Homo Sapiens Sapiens”.
 Hoje estamos conscientes que fazemos parte de algo muito maior que nós. Damos-nos conta que somos somente mais um dos elementos que compõem o OMNI e que estamos aqui para dar conta da tarefa da qual fomos incumbidos: partirmos levando conhecimento, capacidade afetiva e artística, equilíbrio emocional, humor e sabedoria para o aperfeiçoamento da GRANDE CONSCIÊNCIA quando voltarmos para Ela.
Depois dessa confissão carregada de emoção, Áquilus baixou a cabeça e fez uma pausa. Percebi que essa situação o atingia profundamente. Tinha dificuldade para assumir uma atitude humilde, porém, ele sabia que agora, não havia outra saída a não ser pedir socorro. Continuamos de mãos dadas e então pude mergulhar no mais íntimo do seu ser. Como era fantástica essa forma de comunicação! Áquilus dominava a telepatia até seu último grau e, por isso, conseguia se comunicar com tanta eficiência. Sem um gesto, sem um sinal externo, sem uma palavra deixou que eu invadisse seu âmago e me inteirasse de todo o drama que seu povo estava vivendo: há cinquenta mil anos a população estava se repetindo. A reprodução assexuada através da clonagem não permitia mais a renovação. Nenhuma novidade, nenhuma surpresa, tudo era absolutamente o melhor, o mais perfeito, o incontestável. Sem a fertilização sexuada não podia haver cruzamentos e nem mutações. Estavam cansados com a mesmice. Queriam novidades mesmo que fossem ruins. Mesmo que nascesse um filho defeituoso, um débil mental; queriam poder correr esse risco.  O tédio e a falta de perspectiva por algo novo estendiam seu manto suicida sobre a população. Muitos, mesmo antes de serem clonados, se suicidavam diminuindo ainda mais a diversidade genética da população. Outros se negavam a fornecer material para a clonagem. Para “driblar”, de certo modo, a homogeneidade distribuíam os clones iguais por vários lugares no mundo. No início, disse Áquilus, descartamos, voluntariamente, os indivíduos menos favorecidos pela natureza deixando-os morrer sem serem clonados. Perdemos, assim, uma grande riqueza genética impossível de ser recuperada. Só nos interessamos pelos indivíduos perfeitos. Arrogantes, descartamos a nossa natureza julgando-nos superiores a ela. Mas ela é vingativa. Não percebemos as armadilhas que estavam armadas.
Seu rosto escancarava emoção. Os olhos vertiam lágrimas. O drama do seu povo o atingia profundamente. Sentia-se responsável pelo "atoleiro” em que estavam metidos. Ele e os líderes do passado de quem era um clone. Antes de largar as nossas mãos pediu que deixássemos Fernanda a par de tudo o que se passara. Ela tinha um conhecimento parcial da situação. Fazia parte do grupo e merecia estar informada sobre tudo. Pediu para que continuássemos aperfeiçoando a nossa comunicação por telepatia e a partir de hoje teríamos um instrutor para nos habilitar no uso do equipamento de transporte individual.



CAÍTULO VI

Fiquei muito impressionado com os últimos acontecimentos. Eu invejava aquele povo pelo seu nível de conhecimento. As conquistas intelectuais, sociais e tecnológicas me deixavam maravilhado. Eles realmente haviam atingido o apogeu. Jamais poderia imaginar que um povo assim fosse precisar de ajuda. O depoimento sincero de Áquilus, e sua postura humilde diante da situação desesperadora em que se encontravam, era surpreendente para mim. Esse povo acostumado com a perfeição admitia sua falência! Precisavam de mim. Um pobre professor aposentado que, segundo eles, pertence a um povo atrasado que vive no distante e inexpressivo planeta Terra.
Aos poucos, a missão da qual queriam me incumbir, foi criando forma na minha mente.
Precisavam voltar às origens, ao passado à sua essência. Haviam chegado ao fim da estrada e não tiveram o cuidado de deixar marcado o caminho da volta.  Progredir, crescer, andar para frente sempre é estimulante, mas voltar, reconhecer o erro e recomeçar é doloroso e frustrante. Os líderes de ORUS admitiram seu erro. Estavam conscientes dos equívocos que cometeram. Queriam voltar, mas não sabiam como. Então, me acharam e arquitetaram um plano que estava lhes devolvendo a esperança.
Depois de muito treinamento, eu já me comunicava com eles por telepatia. Claro que naquelas funções mais simples como: receber comunicações à distância sem contato físico e visual, emitir minhas mensagens e selecionar aqueles pensamentos que, de acordo com minha vontade, efetivamente, eu queria emitir. Também já fora aprovado no manuseio do equipamento de locomoção individual o que possibilitava me movimentar, sem dificuldades, por toda parte. A minha preparação estava concluída.
Certa manhã, Áquilus me chamou. Um irmão estava partindo. Chamava-se Olívius. Ele era o mais ancestral dos orianos.
 Finalmente, fora liberado pelo conselho, para a volta. Seria o reencontro com a GRANDE CONSCIÊNCIA da onde viera. Havia dedicado uma longa vida à causa do seu povo e já passara pelo compromisso da clonagem. Até fez mais do que a obrigarão sujeitando-se três vezes a esse processo. Segurei-o pelas mãos. Ele estava ansioso para partir. Finalmente algo novo iria acontecer. Disse-me que estava preparado para se encontrar com a CONCIÊNCIA. Levava realizações, conhecimentos, sabedoria e capacidade afetiva. Estava voltando melhor do que quando partira. Seguiria para a outra dimensão da onde, talvez pudesse continuar sendo útil ao seu povo. Então me olhou fixamente nos olhos e falou:
- És a nossa última esperança. Em tuas mãos nos abandonamos. Como uma agulha num palheiro, Áquilus te achou no meio deste universo sem fim. Partirei feliz porque a esperança está de volta. Sabemos que foste capaz de receber a mensagem dos nossos ancestrais por isso confiamos na tua sensibilidade. A natureza humana continua vibrante dentro de ti. Ela vai usar a tua capacidade intuitiva para encontrar uma solução para o nosso povo.
 Então, apertou, com força, as minhas mãos, fechou os olhos e simplesmente parou de viver. Áquilus percebeu o meu espanto diante da morte inesperada e surpreendente de Olívius. Explicou que a medicina, a genética e a biotecnologia mantinham os seus corpos sempre em perfeito estado de saúde e que uma droga desenvolvida pelos cientistas impedia o envelhecimento. Para poderem morrer treinaram uma auto-sugestão de modo que, para eles, viver ou morrer era um ato voluntário.
 As pessoas encaminhavam o pedido de licença para morrer e o conselho autorizava ou não. Sempre havia uma lista grande de pedidos. Nos últimos, anos cada vez mais indivíduos optavam pela morte mesmo sem autorização. Em muitos casos isso acontecia com jovens antes de serem clonados o que representava uma ameaça à sobrevivência da espécie porque cada vez mais diminuía a diversidade genética. Toda vez que um indivíduo partia sem deixar um clone perdia-se, para sempre a sua genética, seu DNA. Para coibir esses casos de insubmissão essa atitude era considerada um suicídio.  Um ato não simpático e não repreensível.
 Todos os pertences de Olívius foram reunidos e juntamente com seu corpo, queimados. Nada que o recordasse poderia permanecer. A partir de agora ele atuaria em outra dimensão. Sua passagem por aqui fora somente uma preparação. Perdera a sua individualidade e agora estava reintegrado à GRANDE CONSCIÊNCIA e somente através dela poderia agir e se manifestar.
Olívius fora um cientista brilhante e fizera parte da equipe de Áquilus. Era o mais ancestral de todos os orianos. Segundo Áquilus, Se alguém merecia ser liberado pelo conselho esse seria Olívius.
O plano deles não tinha metas e nem ações pré-estabelecidas. Esperavam que a minha intuição lhes mostrasse o caminho da salvação.


CAÍTULO VII


Um dia Áquilus me convidou para conhecer um berçário. Propôs caminharmos, o que era coisa muito rara por que a alta tecnologia os fez tão acomodados que caminhar representava, para eles, uma verdadeira tortura. Porém, sabendo da minha simpatia por essa atividade sujeitou-se ao sacrifício. Enquanto caminhávamos me contou sobre suas lembranças de criança. Na sua certidão constava ter nascido do útero dois mil e vinte e cinco que depois dele fora desativado e substituído por outro mais moderno. Na verdade, disse ele, que as mudanças foram tão insignificantes que na prática nada mudou. É que a população não tinha o que fazer, então se destruía algumas coisas para refazê-las com pequenas alterações só para justificar o trabalho. No nosso berçário, disse Áquilus, havia vinte crianças. Os nossos começais,( os indivíduos de quem éramos clones), viviam em diversas partes do mundo. Para impedir que dois iguais se encontrassem frente a frente, distribuíamos os clones pelo mundo porque cada vez que isso acontecia se criava um clima de animosidade e constrangimento. Nestes casos, invariavelmente, aconteciam cenas de violência, em geral, suicídios de um dos iguais e muitas vezes dos dois.
 Dentro do berçário, o primeiro acontecimento social do indivíduo, disse Áquilus, era participar da cerimônia de esterilização. Participavam somente os meninos e era prática obrigatória desde o início da Era Definitiva. Atualmente a esterilização não é mais necessária porque com o desuso os órgãos genitais atrofiaram de tal modo que os indivíduos masculinos perderam totalmente a capacidade de produzir espermatozóides. Porém, mantemos o ritual, ainda que sem finalidade prática. No início a solenidade tinha o objetivo de lembrar a gloriosa era que vivíamos: a Era Definitiva. Hoje, principalmente os Missionários da Volta, defendem a abolição deste cerimonial porque, muito mais do que motivo de comemoração este ritual macabro carrega no bojo a marca da decadência da nossa espécie.
 Áquilus contou que no berçário as crianças ficavam aos cuidados de criaturas mecânicas que supriam todas as necessidades de alimentação, de instrução, de afeto e de recreação. Então lhe falei que eu não concordava com essa forma artificial de criarem seus filhos. Que eu não podia entender e concordar que uma máquina fosse capaz de suprir todas essas necessidades, principalmente o afeto que depende de calor humano, de interação e de trocas que estabilizam o equilíbrio do indivíduo. Então me disse que décadas de estudos constataram que todas as emoções eram nada mais que determinadas substâncias circulando na corrente sanguínea. Essas substâncias, da forma natural, são produzidas por órgãos e glândulas do nosso organismo. Estudamos minuciosamente a função de cada substância e as fornecemos aos indivíduos conforme suas necessidades. Os robôs imitam perfeitamente a melhor mãe, o melhor pai, a melhor companhia.
Percebi que falava com entusiasmo sobre o método de criação dos filhos. Como era difícil admitir o erro! Ele, que era um Apóstolo da Volta e que sabia que todos esses artifícios eram a causa dos seus problemas não conseguia se libertar desse orgulho pelo grau de desenvolvimento da sua sociedade. Então quando se dava conta da sua incoerência ficava abatido e humilhado como agora.
Então se aproximou de mim, estendeu seus dois longos braços e me segurou pelas mãos. Permitiu que eu mergulhasse no mais íntimo do seu ser. Estava vivendo um conflito muito grande. Sabia que a trajetória da sua sociedade necessitava de uma mudança drástica, mas sabia também que isso era uma tarefa impossível. Aquele povo não abandonaria o conforto e as comodidades às quais se habituou durante milhares de anos. Essa forma de vida já estava impregnada na memória genética deles. Criaram um monstro e agora não sabiam como se libertar dele. Áquilus se desesperava quando percebia que ele próprio, que tinha absoluta consciência da necessidade de mudanças, não conseguia se libertar dessa tendência artificial que regia suas vidas.
Depois de uma longa caminhada Áquilus estava exausto. Paramos numa elevação, sob a sombra de uma frondosa árvore. Lá em baixo se descortinava um extenso vale onde se via residências e instalações variadas. Disse-me que era o berçário. Queria mostrá-lo porque, talvez, me ajudaria a iluminar a mente e, quiçá, aguçaria a minha intuição na busca de uma saída para seu povo.
Ao chegar vi muitas crianças ocupadas com aparelhos eletrônicos. Algumas manuseavam individualmente seu equipamento e outras, em grupos de cinco ou seis, se divertiam com um brinquedo coletivo. Estavam absortas e algumas vezes riam dos erros de algum colega. Tal era a concentração que demoraram em perceber que as observávamos. Desde que cheguei a Orus não havia visto crianças. Elas não conviviam com adultos em grupos familiares. Permaneciam nos berçários até a idade de dezoito anos. Nesse tempo recebiam todo preparo para uma vida autônoma. Meninos e meninas conviviam no mesmo espaço. Depois do ritual de esterilização todos eram tratados igualmente. As diferenças anatômicas tinham a mínima importância e eram considerados detalhes insignificantes. Com o desuso os órgãos genitais atrofiaram de tal modo que somente um exame detalhado podia indicar querelas que os diferenciavam.
 Um indivíduo veio nos receber e, educadamente, nos cumprimentou. Áquilus disse que aquilo era uma máquina desenvolvida especialmente para prestar serviços no berçário. Havia muitas aí. Cada criança dispunha de uma, para a satisfação de qualquer necessidade. Neste momento estavam no depósito, pois o exercício atual visava à interação com os colegas, um aspecto considerado importante na formação dos indivíduos. Perguntei se os exercícios físicos também faziam parte da formação das crianças. Então me disse que priorizavam o intelecto porque aí estava a essência do ser humano e que tudo o resto eram complementos. Que com a mente supriam todas as suas necessidades: transporte, alimentação, reprodução, recreação, saúde, bem-estar e etc. Para qualquer necessidade, disse, criamos uma máquina que faz o trabalho para nós. Temos máquinas que fabricam outras máquinas. Para cada  necessidade temos máquinas menos para as atividades intelectuais. Dessas não abrimos mão.
Áquilus olhou para mim e novamente se deu conta da sua incoerência. Os avanços desta civilização estavam tão impregnados na alma desse povo que muitas vezes não se davam conta que justamente essa substituição da natureza pelos artifícios era a causa dos grandes problemas que estavam enfrentando. Então vi na expressão do seu rosto o tamanho do drama que os atingia. Sempre se orgulharam dos seus avanços. Não exercitaram a virtude da humildade. Tornaram-se orgulhosos e prepotentes. Neste momento precisavam de humildade. Então se desesperava porque se essa postura era tão difícil para ele o que poderia se esperar do povo que não tinha consciência da situação em que se encontravam.   
Realmente os berçários eram um exemplo de perfeição. Tudo aí funcionava. Os mínimos detalhes eram considerados. Dispensavam-lhes dedicação máxima. Só se esqueceram da verdadeira essência humana e para facilitar suas vidas a substituíram por soluções artificiais. Não aprenderam que a perfeição só pode ser encontrada na natureza apesar da aparente crueldade. Ela anda por caminhos tortuosos, muitas vezes, não compreendidos por nós, contorna dificuldades, percorre alamedas que nos parecem incoerentes e desnecessárias, mas, que no final constatamos, surpresos, ser ela, sempre, a melhor solução.Até aqui mandei para a Liane.
Cada vez mais percebi que essa civilização necessitava passar por uma transformação total. Havia necessidade de uma mudança drástica de rumo, e segundo meu entendimento tudo deveria começar pelo método de procriação. Mas como fazer isso se a anatomia dos seus corpos estava tão alterada que não podiam mais procriar sexualmente. Além disso, deveria se considerar o aspecto emocional e psicológico. Não havia mais motivação alguma para as relações sexuais. O instinto sexual, também, atrofiara. Na anatomia, talvez, pudesse se mexer, mas o instinto não podia ser recuperado.
Enquanto voltávamos, esses pensamentos ocupavam minha mente. Como dissera Áquilus não tinham ações previstas para o plano. Confiavam na minha intuição.


CAPÍTULO VIII



Quando cheguei em casa encontrei luna e Fernanda chorando. Fiquei preocupado com o que poderia estar acontecendo. Luna disse:
-Precisamos partir.
-Para onde? Perguntei.
-Voltar para a terra.
 A missão delas, por aqui, havia acabado.
Fui procurar Áquilus para tentar demovê-lo da sua decisão, mas ele estava irredutível. Disse que, a partir de agora, a presença delas atrapalhava a minha concentração, que nosso envolvimento bloqueava a minha intuição e que estávamos criando um mundo à parte para nós. Disse que quanto mais demorássemos, mais difícil se tornaria afastá-las. Argumentei, sugeri alternativas, implorei, mas nada o sensibilizou. Falou que o plano não poderia ser atrapalhado e que, neste momento, eu não entendia o alcance da atitude por que meu envolvimento com elas deturpava o bom senso. Isso é um sentimento nobre e admiramos vocês por conservarem esta capacidade natural de sentir emoções. Nós nos administramos uma determinada substância e temos as emoções que nos interessam. Eu disse que o que estavam fazendo com elas era uma crueldade sem tamanho, que as arrancaram do seu mundo, e que agora as devolveriam por que não interessavam mais. Como voltariam para lá? Se contassem o que aconteceu seriam ridicularizadas! Voltariam á prostituição? Depois de terem visto o que viram? De terem feito por vocês o que fizeram? Sem medir esforços! Eu estava muito magoado e com uma ponta de ironia e acusação sugeri-lhe que se administrasse uma substância para recuperar o sentimento de gratidão. Ele disse que me entendia e que, já, esperava por essa reação quando eu fosse saber.
 Então me segurou pelas mãos. Fazia isso, sempre, quando queria que a comunicação fosse enfática. O contato me devolveu a serenidade. Pude entender os motivos que o levavam a tomar essa atitude. O nosso relacionamento me tirava a capacidade de lhes ajudar. Fora um aspecto não previsto no plano porque não imaginavam que essa atração pelo sexo oposto ainda estava tão palpitante na nossa natureza. Se tivessem trazido dois homens teriam evitado esse percalço. Disse-me, então, que não iria abandoná-las. Sabia o quanto o poder financeiro é importante na terra. Nós temos ciências, com as quais o teu povo jamais sonhou, disse ele. Vamos presenteá-las com uma tecnologia que irá revolucionar a informática no teu mundo. Poderão ganhar todo o dinheiro que quiserem.  Então perguntei.
- Elas já sabem disso?
- Sabem! Mas não entendo a reação delas. Se o dinheiro significa tanto para vocês então porque elas continuam chorando?
Achei que não adiantaria explicar para ele.  Com certeza não entenderia. Apesar de me ter acalmado, eu continuava muito magoado e neste momento não estava disposto a gastar meu tempo na tentativa de fazê-lo entender a reação das moças.
Voltei para casa muito chateado, ainda que admitisse que, de certa modo, não havia outra atitude a ser tomada.
Essa seria a nossa última noite, juntos, em Orus. A tristeza e a emoção estavam à flor da pele. Nós três nos damos as mãos e choramos. Por longo tempo ficamos assim compartilhando a nossa intimidade. Como era fantástica essa comunicação por telepatia que ao contato das mãos atingia níveis de excelência. Partilhamos nossas angústias, alegrias e emoções. Escancaramos nossos sentimentos. Luna não fez segredo do seu amor que nutria por mim. Disse que esse sentimento foi tomando conta do seu ser. Que, sem me fazer anunciar entrei no seu coração pela porta dos fundos e sem pedir licença me instalei nele tomando conta dos seus pensamentos, projetos e ambições. Como poderia viver longe de mim?
Sem dar-me conta de repente percebi que eu, também, a amava profundamente. Sua confissão iluminou minha alma colocando à mostra esse sentimento que estava escondido no fundo do meu coração. Fernanda percebeu que precisávamos dessa noite para nós e, por isso, foi dormir no seu aposento.
 Abracei Luna com ternura, e assim ficamos por longo tempo sem uma palavra e sem um gesto. Depois relembramos os momentos bonitos, que foram tantos, apesar de nos conhecermos há tão pouco tempo: do primeiro dia lá em casa, dos dias felizes de convívio em Orus, das caminhadas, dos ciúmes dela quando me aproximava de Fernanda, da briga com Áquilus para ser a escolhida naquela cena de amor na praia. Rimos, nos emocionamos e choramos. Tudo era intenso e forte naquela noite.
 Senti que Luna precisava desesperadamente do meu carinho. Uma paixão irresistível a consumia. Seu corpo vibrava a cada carícia, a cada toque. Quando nossos corpos nus se tocaram senti a vida pulsar dentro dela. A emoção do momento nos impeliu para uma dimensão além da matéria. O que tivemos não foi uma simples relação carnal. Ela só serviu de instrumento para nos transportar para algo muito além do mundo manifesto. Nossas almas vibravam em sintonia como os acordes afinados de uma linda canção a duas vozes e fomos arrebatados pela fonte do prazer total, na qual bebem e se embriagam somente os protagonistas de grandes amores.
 Só despertamos desse êxtase altas horas da madrugada. Luna disse que estava com frio. Cobrimo-nos e a aqueci com meu corpo ainda desnudo. Assim dormimos até sermos acordados por Fernanda que estava se preparando para partir de volta para a Terra.
Apesar da tristeza imensa que nos acometia, tínhamos consciência de que a atitude de Áquilus era a mais acertada. Ele precisava agir racionalmente, nessa hora, o que nós não conseguíamos fazer devido ao componente emocional que inibia o nosso bom-senso. De um modo especial, para Luna e para mim, a separação era dolorosa. Amávamo-nos intensamente. 
Antes de embarcar, Áquilus lhes entregou o presente. Era um envelope contendo a tecnologia com a qual poderiam ganhar muito dinheiro. Dias depois, me explicou que o presente não era um invento, porém, somente um novo produto que utilizaria tecnologias já conhecidas no nosso mundo, como: os fundamentos teóricos do computador, olho digital, Multi-touch e outros. Qualquer empresa de informática que desenvolvesse o produto sugerido, certamente, faria sucesso na venda de computadores. Elas poderiam se associar à empresa ou simplesmente vender a idéia.
Então perguntei por que, em vez de somente um produto não lhes deram uma base teórica para novas tecnologias, algo que pudessem patentear e assim garantir uma estabilidade financeira.
Então disse que dispunham de conhecimentos teóricos capazes de revolucionar toda a tecnologia do nosso mundo, mas que ele não queria ser responsável pelos malefícios que tais conhecimentos trariam para nós. Que, baseado nos erros que cometeram devíamos corrigir o rumo da nossa evolução. Precisávamos trazer o homem de volta para a natureza e não o contrário. Que a missão da qual fora incumbido visava exatamente a volta do povo deles e a correção do rumo que nós trilhávamos. Certamente tais conhecimentos nos encaminhariam para um mundo artificial e cairíamos nas mesmas armadilhas das quais foram vítimas.
Três anos depois, quando já me desincumbira da minha missão em Orus, Também voltei para casa. A primeira coisa que fiz foi procurar Luna e Fernanda. Encontrei-as morando no Rio de Janeiro numa casa luxuosa na praia de Búzios. Na primeira manhã, levantei cedo, sentei na sacada que dava de frente para o mar e tomei meu chimarrão matutino como há muito tempo não fazia. As duas ainda dormiam e também, o pequeno Wuiliam. Eu estava absorto e embriagado com aquele cenário deslumbrante e não percebi a aproximação de Luna. Abraçou-me pelas costa e me beijou com ternura. Deu meia volta na cadeira giratória em que eu estava sentado de modo que ficamos frente a frente. Então vi que o menino estava com ela. Sentou-o no meu colo e lhe disse:
Vamos, Wuiliam! Dê um abraço no seu pai!
Demorei alguns instantes para entender o significado do que estava acontecendo.
Abraçamo-nos, os três, e juro que em toda a minha vida não vivi outro momento tão sublime. Luna disse que a noite de despedida, em Orus, rendeu-nos esse fruto maravilhoso.
Sei que esse relato está, totalmente, fora da ordem cronológica. Mas, com a devida desculpa do meu querido leitor, confesso que não consegui deixar para o final do livro essa revelação tão comovente e significativa.

 CAPÍTULO IX


Depois desse parêntesis convido você para retomarmos a cronologia dessa narrativa.
Nos primeiros dias, depois que Luna e Fernanda partiram a solidão me atingiu profundamente. Antes, elas enchiam a minha vida de alegrias. Nesse mundo onde a sofisticada tecnologia nos proporcionava todos os confortos imagináveis vivíamos felizes. Agora eu estava sozinho. Áquilus me visitava com frequência. Sentia-me confortável com a presença dele principalmente quando nos dávamos as mãos. Ele tinha o poder de me serenar com sua técnica apurada de telepatia. Um dia sugeriu que fosse morar em outra casa. Achava que aquele ambiente me trazia lembranças muito fortes das duas mulheres. Intencionalmente ele, também, foi se afastando de mim. Entendia que eu deveria procurar meu próprio caminho, pois, assim, a intuição tinha mais liberdade de se manifestar.
A mudança me fez bem. Comecei a sair e a prestar atenção no mundo que me cercava. Deixei-me levar pela intuição que aos poucos começava a agir em mim. Numa manhã, me muni do equipamento de transporte individual e parti sem destino. Esse maravilhoso invento elevava o condutor até a altura pretendida e depois o conduzia na direção desejada. Havia um dispositivo que memorizava as coordenadas do local de partida. Bastava acioná-lo e, automaticamente, ele retornava ao mesmo ponto. Portanto, sem me preocupar, podia deslocar-me por onde quisesse.
A natureza do Planeta estava preservada. Não havia evidências de desgaste do ambiente. Muito raramente, se percebia sinais da presença humana. Enquanto sobrevoava o planeta lembrei-me das palavras de Áquilus quando ainda me fazia visitas diárias. Dizia ele que há muito tempo, no início da Era Definitiva, começaram a se preocupar com o equilíbrio entre os elementos da natureza do Planeta. Pesquisas e estudos minuciosos estabeleceram a densidade demográfica ideal para a nossa espécie. Tínhamos consciência que somos os únicos seres capazes de desequilibrar o ecossistema. A nossa meta era nos manter dentro de uma margem segura de habitantes.
 Durante muito tempo nos preocupamos com a extinção de animais e vegetais. Organizamos uma lista de espécies em extinção e socorríamos aquelas mais necessitadas. Hoje, nós estamos no topo dessa lista. Devido à reprodução assexuada e a falta de perspectivas, perdemos, paulatinamente, mais e mais indivíduos. Além da diminuição numérica, também, a diversidade foi afetada. Sem possibilidade de cruzamentos e mutações estamos nos tornando, geneticamente, cada vez mais iguais. Todo indivíduo que morre antes de deixar um clone representa a extinção de mais um DNA sem possibilidade de recuperação.
 Áquilus me alertara sobre perigos com animais selvagens que povoavam as florestas. Por isso não desci nessa primeira incursão, me contentando em sobrevoar a região.
 A natureza estava exuberante e preservada. Se, por um lado, a decadência da população humana era uma ameaça à sobrevivência da espécie, por outro, se tornara uma bênção para os demais elementos que exibiam sinais evidentes de saúde.
 Depois dessa primeira vez, seguidamente, fazia incursões e cada vez mais distantes e ousadas.
Um dia tomei coragem e desci numa aldeia. Basicamente, todas apresentavam a mesma estrutura. Havia residências, galpões de depósito, Complexos de lazer, de alimentação e, sempre um pouco afastado, o berçário. Na parte central daquele povoado, se destacava alguma coisa que poderíamos chamar de praça. Era uma área grande e vazia, aparentemente, sem função. Somente, no meio dela, havia um monumento erguido sobre um plano mais elevado. Visto de certa distância, dava a impressão de uma montanha congelada e, despontando do gelo, uma pedra grande e pontiaguda. Alguma coisa nesse conjunto me era familiar. Parei, por um longo tempo, diante do monumento deixando aflorar meus sentimentos, lembranças e impressões. A intuição deveria puxar para a superfície o que a memória guardava no meu âmago.
Nisso senti um toque no meu ombro. Eu estava tão absorto que não havia percebido a aproximação de alguém. Era um oriano. Em outras épocas, uma visão dessas me deixaria apavorado, mas aos poucos estava me habituando com a aparência deles. No início pareciam todos iguais, mas agora eu percebia diferenças que me davam condições de identificar alguns, como Áquilus e outros, que conviviam mais intimamente comigo. Eu não sentia mais aquela repulsa como antes. Já era capaz de sentir simpatia, confiança, ou, também, outros sentimentos como antipatia rejeição etc. Estava começando a me sentir um deles. Estendeu-me seus longos braços e me segurou pelas mãos. Chamava-se Lácius. Era o líder da aldeia e integrava a equipe de Áquilus, e por isso sabia tudo sobre mim. Disse que eu era bem-vindo e que a aldeia estava a minha disposição. A população fora orientada para me acolher bem, e prestar informações e ajuda caso precisasse. Então largou minhas mãos e disse que não iria interferir nas minhas atividades na aldeia. Que seguisse a minha intuição.
Passei o dia no povoado. Visitei os locais públicos, a sala de recreação, os depósitos, residências oficiais e a sala de alimentação. Dava pena ver esse povo desanimado e cabisbaixo andando por aí sem objetivo, sem motivação. A sala de recreação era a mais freqüentada. Havia uma diversidade muito grande de jogos intelectuais. Nada que contemplasse atividades físicas. As máquinas de sexo eram as mais concorridas. Naquele dia a curiosidade me levou a experimentar o equipamento. Esperei uma vaga e seguindo as instruções que Áquilus me passara submeti-me à experiência. O resultado foi decepcionante. Nada do que se prometia aconteceu. Conclui que a natureza, ainda vibrava com muita força no nosso sangue. Não éramos capazes de sentir prazer motivado pela imaginação. Ainda precisávamos do nosso corpo para as sensações prazerosas.
De noite, na minha cama, deixei meus pensamentos voarem livremente.  Fora um dia diferente. A praça e aquele monumento continuavam me intrigando. Adormeci na esperança de que o sono pudesse me revelar o mistério que a minha memória, teimosamente, mantinha escondido. Tive o cuidado de registrar as coordenadas do povoado no meu equipamento de transporte porque queria voltar para lá. Um pressentimento me dizia que alguma revelação estava por acontecer.

CAPÍTULO X


No dia seguinte àquela excursão Áquilus veio acompanhado de dois orianos. Disse que eles seriam uma companhia para mim depois da perda de Luna e Fernanda.
 A pesar de ter-me acostumado com suas aparências, compartilhar com eles o meu dia a dia não me agradava. Nos primeiros dias eu somente tolerava a presença delas. Haviam invadido o meu pequeno mundo e comprometido a minha privacidade.
 Depois de vários dias de convivência, descobri que a minha companhia eram duas jovens mulheres recém saídas de algum berçário. Como a identidade sexual dos orianos tinha nenhuma importância para eles era difícil diferenciar um do outro. Acontece que, com a perda da função reprodutiva, a sexualidade adormecera tanto que afetou sua conduta. Machos e fêmeas se comportavam sem deixar transparecer evidencias sexuais. A própria anatomia foi afetada, principalmente nos machos, que devido ao desuso, tinham a genitália atrofiada. Na mulher o sinal mais evidente era a atrofia dos seios.
Elas eram gentis comigo e, no início, procuravam não interferir na minha rotina. Cuidavam das minhas necessidades corriqueiras de: alimentação, limpeza e organização da casa. Como não consegui me adaptar à sua alimentação, preparavam pratos especiais com produtos da natureza do planeta. Havia aí um vegetal que produzia um tubérculo semelhante à mandioca, saboroso e de fácil preparo. Procuravam, na natureza, sempre novos vegetais, que depois de examinados pelos pesquisadores, e aprovados, podiam integrar a minha alimentação. Achavam estranho como me alimentava e quando tentavam provar cuspiam o alimento e achavam impossível que aquilo pudesse trazer alguma sensação prazerosa. A alimentação deles, totalmente artificial, se constituía de cápsulas e líquidos que continham todos os elementos necessários para a manutenção de uma boa saúde. Esse coquetel continha elementos que produziam emoções desejáveis e o antienvelhecimento. O aparelho digestivo perdera, praticamente, as suas funções, pois os elementos ingeridos eram absorvidos pela corrente sanguínea sem necessidade de digestão. Em função disso o abdômen estava atrofiado. Já a cabeça era exageradamente grande, talvez, por usarem, preferencialmente as atividades mentais. Como o cérebro exige uma grande quantidade de oxigênio o tórax também era muito desenvolvido para aumentar a capacidade de oxigenação do sangue.    
 Seu comportamento, em relação ao sexo, ficou tão afetado que sem pudor algum ficavam desnudas diante de mim. No início essa situação me deixava constrangido, porém, aos poucos me habituei. Sabia que, para elas, deixar à mostra a sua intimidade ou outro órgão qualquer, era a mesma coisa. Eu, no entanto, jamais ficava sem roupas diante delas. Talvez não se importassem, mas o meu pudor não permitia.
Certa noite, julgando estar sozinho em casa, sai do banho despido. Mas eu estava enganado por que Dora havia voltado mais cedo e me surpreendeu sem roupas. Percebi que ficou estupefata ao ver a anatomia do meu corpo. Senti que despertei sua curiosidade. Então se aproximou e quis saber o que era aquele apêndice. Tentei explicar-lhe a função do meu pênis.
- Como assim? Com isso aí? E deu uma gargalhada.
 Então, movida pela curiosidade, começou a manipular a minha genitália. Tentei esquivar-me, mas ela insistiu na ação provocando a ereção do meu pênis. Eu estava muito carente e sucumbi aos meus instintos. Levei-a para a minha cama e tive relações com ela. Durante o ato parou de rir e percebi que a relação mexeu com ela. Talvez o instinto sexual adormecido há milhares de anos estava despertando. Depois, se aconchegou junto ao meu corpo e disse que, durante o ato, uma sensação estranha perpassara todo seu corpo. Sentia-se leve e com vontade de viver. Disse que gostaria de repetir a experiência mais vezes. Eu também estava bem e, deitado ao seu lado fiquei surpreso com os meus sentimentos, pois, há bem pouco tempo uma sena dessas me provocaria náuseas. Mais tarde Lídia, também, voltou. Estranhou estarmos dormindo na mesma cama. Na cultura deles isso era incomum.
Depois dessa noite, repetimos a experiência várias vezes. Dora se tornara uma boa amante. Ela estava feliz e se esmerava com cuidados, era carinhosa, procurava satisfazer todos os meus caprichos e não saía de perto de mim. Eu não me incomodava com essa situação. Pelo contrário, a presença dela me agradava. Estranhamente passei a ver nela uma mulher terráquea. Decidimos ocultar o fato de Áquilus porque, talvez, interpretasse mal o que fazíamos e por isso poderia querer nos separar. Lidia não suportava ver as nossas manifestações de carinho e se mostrava enojada diante do nosso comportamento. A presença dela ficou insustentável e um dia pediu para nos deixar. Agora, morávamos sozinhos e éramos felizes.

CAPÍTULO XI

Dora era uma mulher agradável, alegre e sempre bem disposta. Eu sabia que essa sua personalidade tinha muito haver com as drogas que vinham acrescidas na sua alimentação. Um dia sugeri que se abstivesse delas para uma avaliação. Talvez seu corpo voltasse a produzir as substâncias e, de acordo com as circunstâncias da vida, poderia ter reações naturais e não programadas. Em atenção à minha sugestão, ela concordou com a proposta e subtraiu, da dieta, as drogas indutoras do humor. No entanto essa abstinência alterou tanto seu comportamento que se tornou insuportável conviver com ela. Então voltou à sua alimentação costumeira e recuperou a personalidade de antes. Percebi que, qualquer mudança em relação a esse aspecto implicaria num trabalho árduo e demorado e, talvez se conseguisse resultados, somente, com as futuras gerações.
Apesar de estar vivendo dias felizes ao lado de Dora havia alguma coisa indefinida dentro de mim que me perseguia. Era a lembrança do monumento que me chamara a atenção quando estive no povoado de Lácio. A visão daquela pedra sobressaindo do gelo me perseguia. Precisava voltar para tentar desvendar o mistério escondido sob aquele monumento.
Quando me despedi de Dora, ela me disse que estava triste por que a deixava sozinha, mas que entendia o motivo da minha excursão e que não queria atrapalhar a missão que me trouxera para Orus. Levei alimentação para vários dias que Dora me preparara com muito carinho porque eu não queria voltar sem saber o que me intrigava naquele monumento.
 Fui bem recebido por Lácio que já sabia da minha visita, pois Áquilus o havia avisado.
O dia estava lindo e ensolarado, e já, naquelas horas da manhã, fazia muito calor.  Depus o meu equipamento de transporte e andei pelo povoado sem destino. Depois de uma longa e exaustiva caminhada eu estava na praça diante do monumento, objeto das minhas visões. Então percebi que sob aquela pedra havia um côncavo que poderia servir de abrigo improvisado. Como o forte calor era desconfortável, imaginei que aquela reentrância seria um lugar fresco e confortável para um descanso. Entrei, e sentei no chão deixando me ficar aí sem um objetivo programado. Então, apesar de estar fazendo muito calor naquele dia, misteriosamente, comecei a sentir frio. Eu sabia que o gelo que circundava aquela pedra era somente representação. Não havia gelo de verdade. Tentei me convencer que o frio devia ser somente uma impressão, mas a sensação era tão real que comecei a tremer. Então, percebi, ao meu lado, um traje. Vesti-o para me abrigar do extremo frio que, agora, já, estava insuportável. A vestimenta devia ter um isolamento térmico eficiente por que rapidamente eu não sentia mais frio. O conforto fez me sentir bem, e cochilei. Aquilo não era um sono clássico. Eu estava consciente, porém não controlava os meus pensamentos. Fui levado a uma montanha congelada onde vi a pedra que o monumento representava. Vi Elis depositar ai seu traje protetor onde ela havia deixado os documentos que continham os registros da avançada tecnologia de Controle da Gravidade e da Inércia. A visão era tão real que me senti participando da cena. Essa passagem está descrita no meu último livro, Elis Mãe de Dois Mundos pg. 134. Na ocasião registrei a cena conforme a inspiração que tive e que, agora, emergiu do meu subconsciente.
 Não sei por quanto tempo fique nessa letargia. Ao despertar percebi que não havia frio nem o traje que, supostamente, vestira para me aquecer. Fora uma ilusão? Mas tudo tinha sido tão real!
Então fui procurar Lácius. Queria conhecer a história daquele monumento. Contou-me que vem de uma tradição antiguíssima e que ninguém mais sabe, ao certo, do seu significado. Em vários povoados existe, também, o monumento, porém o maior e o que fora construído por primeiro é o que está aqui. Em determinada época do ano recebemos visitas de todas as partes de Orus. Ninguém sabe por que, mas as pessoas vêm prestar sua homenagem ao monumento. Um conto que, hoje, consideramos fantasioso fala de um santuário construído sobre uma montanha do qual depois de muitíssimos anos não ficaram vestígios. O nosso povoado é o mais antigo que se tem notícias e conta uma lenda que seu povo era oriundo de uma região que fica além daquela montanha. Essa região, hoje, está desabitada porque ela limita o uso da tecnologia que dominamos. Há, lá, um bloqueio natural que não permite a utilização do controle gravitacional e a comunicação por telepatia. A lenda diz que seus habitantes, durante muito tempo, teimosamente, insistiam em permanecer aí. Porém, os jovens conhecendo o conforto que os nossos avanços tecnológicos ofereciam, aos poucos, foram abandonando a região. Ficaram somente os velhos e assim a população foi se extinguindo. Certos relatos contam que, ainda hoje, a região é habitada por alguns selvagens. Esses relatos, porém não são levados a sério porque ninguém poderia sobreviver aí por causa dos animais ferozes que vivem naquelas florestas. Como o único meio de locomoção, aí, é caminhar nós não temos chance alguma de sobrevivência. Seriamos presas fáceis de qualquer inimigo, fosse ele animal ou os supostos selvagens que estariam habitando a região.
Lácio ficou apavorado quando lhe disso que eu precisava visitar o lugar. Tentou me demover do meu propósito, mas eu sabia que o sucesso da minha missão dependia dessa visita.
Dormi na casa de Lácio. Durante a noite ultimei os preparativos para partir bem cedo no dia seguinte. Levei os alimentos que Dora me preparara e algumas ferramentas que pudessem servir de defesa contra os temidos animais selvagens. Lácio se dispôs a me acompanhar até o topo daquela montanha enquanto pudesse se valer do seu equipamento de transporte. A partir daí teria que me virar sozinho por que sem poder usar a tecnologia ele seria presa fácil de qualquer inimigo. Lácio explicou que o ponto mais alto da cordilheira que circunda todo aquele território representa um marco divisório. Nós o respeitamos não por submissão, mas porque além dele toda a nossa tecnologia não tem valor algum. Há um bloqueio natural, e a gravidade e a inércia não podem ser controladas, e nem a comunicação por telepatia aí funciona. No território desses selvagens, se é que eles existem, somos completamente vulneráveis. Por outro lado, os supostos selvagens respeitam também o marco porque do lado de cá eles se tornariam frágeis, pois com a nossa tecnologia os dominaríamos com facilidade. Assim mantemos uma paz forçada com os possíveis habitantes daquela região. Há relatos de que alguns indivíduos nossos, movidos pela curiosidade, ultrapassaram esses limites. Jamais algum deles voltou. Não sabemos, ao certo, o que existe lá. Enfim é um território tão pequeno que não vale a pena dedicar qualquer esforço para conquistá-lo. Senti, no seu rosto, uma expressão de “uva verde”. Já que não podiam conquistá-lo o menosprezavam.  Então lhe perguntei qual era a sua grande preocupação já que tanto queriam morrer. Morrer sim, mas não ser comido por um animal ou sofrer as dores da morte. Queria morrer conforme seus costumes, através da autossugestão que não é agressiva e é indolor.
Assim que amanheceu partimos. O dia estava lindo e ensolarado e a natureza sorridente e agradecida se aquecia com raios aconchegantes que o astro Rei enviava generosamente sobre a mata verdejante. Voávamos a uma altura de uns vinte metros da onde tínhamos uma visão privilegiada para apreciarmos as cenas que se desenrolavam abaixo de nós no palco que a natureza preparara para essa encenação que tínhamos o privilégio de assistir. 
A mata exuberante dominava a paisagem monótona que se descortinava abaixo de nós. Vez por outra se via alguma clareira que denunciava a presença humana. Eram aldeias incrustadas na mata. Vendo o planeta, aqui do alto, era impossível imaginar que pudesse haver problemas lá em baixo. No entanto, a espécie humana estava em extinção. E eu fora chamado, do distante planeta terra para reverter essa trajetória. Áquilus explicou que essas aldeias eram protegidas por cercados eletrônicos que impediam a invasão de qualquer tipo de animal selvagem, habitantes perigosos da floresta.
Quando sobrevoamos um espaço onde a mata era muito rala Lácius me mostrou o animal selvagem que lhes imputava tanto medo. Ele tinha o tamanho de um gato doméstico, talvez um pouco maior.
- É isso aí que amedronta tanto vocês? Perguntei num tom de deboche.
- Eles são terríveis, disse ele apavorado.
- Alguma vez fizeram mal a alguém? Perguntei
- Não temos notícias de algum ataque, mas são animais selvagens, portanto perigosos.
Tive que rir do suposto perigo que entendiam estar escondido na densa mata. Haviam perdido totalmente a habilidade de conviver com a natureza do planeta. Então eu falei que iria descer para observar, mais de perto, a temível “fera”. Ele se apavorou e com veemência tentou me demover dessa “insanidade”. Quando pousei, a certa distância do animal, ele se assustou com a minha aparição surpreendente e fugiu apavorado para dentro do mato cerrado.
Perguntei-lhe se não havia animais maiores. Disse que em épocas remotas sim, mas que dizimaram todos porque eram extremamente perigosos. Tivemos que preservar esse felino porque estudos minuciosos indicavam que sem a ação predadora dele o desequilíbrio poderia afetar o nosso próprio bem estar. Agora que chegamos ao ápice do desenvolvimento científico e tecnológico estamos pagando por todo o desrespeito e crueldade que cometemos contra a natureza. Chegou a hora da prestação de contas, pois por mais que seja agredida e subjugada ela, sempre, acabará prevalecendo. Aprendemos que a natureza não tem pressa para restabelecer o seu domínio e é paciente e sábia, e contorna as dificuldades custe isso o tempo que for necessário. E a mão dela é pesada e cruel e se vale dos métodos que forem necessários para se recompor. Mas com certeza há de prevalecer porque obedece à ordem estabelecida pela Grande Consciência.
Depois disso aumentamos a velocidade e percorremos larga distância em pouco tempo. Também subimos mais e do alto tivemos a nossa visão ampliada. De um lado, bem ao longe, podíamos ver uma cordilheira branca e congelada e, do outro, uma grande península. Era uma vista grandiosa que de repente me fez Lembrar a inspiração que tive para escrever “ELIS, Mãe de Dois Mundos”. Tudo o que vira através da minha imaginação, agora se descortinava ai aos meus pés. Poder ver com os olhos o que vira somente com a imaginação era algo fantástico. Entusiasmado passei a contar a história, mas Lácius me interrompeu dizendo que conhecia o meu livro. Que Áquilus fora até a terra e pesquisou tudo sobre a minha vida. Disse que essa realmente era a região onde se passou parte da minha história. Claro, disse que, depois de milhares de anos, a natureza recuperou todo o espaço. A península estava totalmente tomada pela floresta. Mas a topografia não teve significativas mudanças.
Deixamos a península de lado e partimos em direção à montanha. O cenário era deslumbrante. No primeiro plano, o verde intenso da mata, e depois, bem ao longe, o branco da cordilheira congelada refletindo os raios do sol. Eu estava embriagado com a maravilhosa paisagem. Cheguei a me questionar se realmente a espécie humana deveria ser salva. O único ser no universo capaz de destruir tudo isso seria o homem. Movido pela ganância e equipado com as humanidades (criatividade, memória, capacidade intelectual e etc.) somente ele é capaz de atitudes insensatas capazes de comprometer a própria sobrevivência. Porém, trazemos vivo na nossa memória genética o instinto de preservação e de sobrevivência. E se a natureza nos criou, certamente temos um papel a desempenhar nesse emaranhado, que somente seres com os nossos atributos podem dar conta. Eu estava tão entusiasmado que, mesmo sem me dar conta, compartilhava, por telepatia, o meu raciocínio com Lácius. Ele disse que estava envergonhado com a sua civilização, mas que, também, achava que tínhamos uma função no universo. A final de contas, disse, quem somos nós para questionarmos a obra da GRANDE CONCIÊNCIA!
Quando nos aproximamos da cordilheira Lácius disse que precisávamos diminuir a velocidade e ficarmos atentos às coordenadas porque depois de certo ponto o controle gravitacional não mais funcionava e então cairíamos, sem proteção, daquelas alturas. Disse-me que ele não passaria daquele ponto porque era muito perigoso. A partir daí a tecnologia não funcionava mais, e ele ficaria totalmente desprotegido de qualquer perigo. Mais uma vez tentou me demover do meu plano, mas eu estava convicto que encontraria a solução para o problema daquela gente.
Descemos. Fazia um frio intenso. A altitude elevada dificultava a respiração. A poucos passos daí, explicou Lácius, havia um cercado eletrônico que circundava toda a cordilheira. Era para impedir que qualquer ser daquele território invadisse o mundo “civilizado” deles. Não sabemos, ao certo, o que há lá, mas com certeza existem animais perigosos e talvez homens selvagens que poderiam comprometer a nossa segurança. Então lhe perguntei por que não tentaram descobrir o que havia nesta terra “selvagem”. Talvez descobrissem, aí, a solução para as questões que os afligiam, e que ao invés disso viajaram até a nossa terra que fica a uma distância de duzentos mil Anos Luz. Disse-me que, com a tecnologia que dispunham era muito mais fácil ir à terra e fazer contato com os terráqueos que entrar nesse mundo selvagem e desconhecido onde estamos absolutamente desprotegidos. Então me dei conta do grau de dependência que os mantinha cativos dessa tecnologia.   

CAPÍTULO XII

Lácius se despediu de mim muito apreensivo, pois temia pela minha segurança naquele mundo “selvagem”. Eu, porém estava seguro, pois sabia movimentar-me neste meio que eles temiam tanto. Pus nas costas a sacola com os meus pertences e ultrapassei a linha que meu leitor de coordenadas indicava como limite entre o mundo civilizado e essa terra selvagem onde nenhuma tecnologia mais funcionava. Antes, porém, me comuniquei, por telepatia, com Luna. Ela disse estar com saudade e preocupada com a minha segurança. Pedi que ficasse tranquila porque o terreno aonde iria me movimentar era familiar para mim, semelhante ao planeta Terra.
 Claro que eu não estava habituado com essa altitude, mas pelo menos estava livre da parafernália tecnológica dessa civilização que às vezes me deixava irritado, pois restringia os meus movimentos naturais aos quais eu estava habituado. A duzentos mil anos luz distante da terra, eu estava me sentindo em casa nesse pequeno território que fora poupado da intervenção predadora do homem graças ao bloqueio que impedia o funcionamento dos equipamentos modernos daquele gente.
 Saí caminhando sem destino. Esperava que a minha intuição me mostrasse o caminho onde encontraria a solução para os problemas que afligiam aquele povo.
O ar congelado e a dificuldade de respirar, naquelas alturas, comprometiam meus movimentos. Aos poucos, porém, fui me habituando àquelas condições me sentindo mais confortável. Parei, por um momento, para apreciar a paisagem. Então, a alguns passos um detalhe me chamou a atenção. Era a ponta escura de uma rocha que emergia da neve. Aquilo me parecia familiar. Aproximei-me e vi que a neve, aí, fora removida recentemente. Tirei da mochila a pá que trouxera e comecei a cavar. Sem demora foi se revelando debaixo daquela rocha um côncavo. Era uma pequena caverna e seria um ótimo abrigo natural. Antes de entrar tomei a precaução de jogar uma pedra para dentro. Então um alçapão se fechou diante de mim. Joguei mais algumas pedras, mas nada mais aconteceu. Com muito cuidado fui entrando na caverna para evitar qualquer contratempo.  Isso era uma prova irrefutável de que aquele território era, realmente, habitado por seres inteligentes. A minha atenção, a partir de agora, deveria ser redobrada. Certamente aquele povo “selvagem” queria se proteger contra invasores indesejáveis e, talvez, houvesse, por aí, mais armadilhas armadas. Examinando a caverna encontrei vários utensílios e apetrechos. Entre outras coisas havia uma prancha, uma espécie de patim, que se usava sob os pés para deslizar sobre a neve. Este equipamento me seria de extrema utilidade, no dia seguinte, para descer aquela montanha congelada.
Decidi passar a noite naquele abrigo que me pareceu oferecer boas condições de conforto e segurança. Dispunha, porém, de algumas horas antes de escurecer. Aproveitei para explorar os arredores da caverna sem me descuidar da localização do abrigo, pois já não podia mais contar com o localizador de coordenadas que, também aí, não funcionava mais. Aquele abrigo era importante por que, certamente, não suportaria, ao relento, o frio intenso que fazia durante a noite. 
O branco monótono dominava a montanha naquelas alturas. Bem ao longe, já ao pé da serra, havia verde o que denunciava a presença de vegetação. Seria longo o caminho que teria de percorrer, no dia seguinte, para chegar ao vale onde, talvez, encontrasse alguma coisa que pudesse ser útil para salvar aquele povo.
Ocupei os fundos da caverna para dormir. Havia um leito com palha seca que, apesar de improvisado e muito rústico, oferecia boas condições de conforto para dormir. Esse era mais um sinal evidente da presença humana aí.
Aproveitei, ainda, a luz do dia para me instalar no abrigo, pois não dispunha de outra fonte de claridade a não ser uma pequena lanterna que Luna colocou na minha mochila para ser usada em alguma emergência. Com a pá fechei a entrada da caverna deixando pequenas aberturas que permitiam a troca de ar na caverna. Tive o cuidado de armar, novamente, o alçapão. Era um equipamento efetivo, porém muito simples de tal modo que sem dificuldades entendi seu funcionamento.
A noite transcorreu sem incidentes. Vesti um traje térmico que me manteve aquecido. Quando despertei, pela manhã, vi a claridade entrando pelos buracos de ventilação que deixara abertos na entrada da caverna. Procurei arrumar o abrigo do mesmo jeito que o havia encontrado. Somente levei dois cajados e duas pranchas que usaria sob os pés para deslizar sobre a neve. Os cajados também foram úteis, pois com eles me impulsionava para frente e ajudavam a me equilibrar em cima daqueles patins improvisados. Poderiam, também, servir de arma contra algum animal predador que quisesse me atacar. Com a mochila nas costas empreendi a descida rumo ao vale.
Depois de certa distância parei e olhei para trás para me despedir daquele abrigo que me fora de grande valia. Então me ocorreu um pensamento surpreendente. Senti um arrepio ao ver aquela rocha pontuda despontar da neve. De repente, aquele monumento no povoado de Lácius começou a fazer sentido. Ele imitava exatamente o local aí na minha frente. Eu havia passado a noite no mesmo abrigo que Elis ocupara há duzentos mil anos, também, antes de descer para o povoado. Isso era incrível. A intuição me trouxera até aqui. Eu estava impressionado com o que estava acontecendo. Nunca dera valor a este dom escondido em cada ser humano.  Dei-me conta de como desperdiçamos habilidades que a natureza coloca a nossa disposição. Falta-nos humildade. Muitas vezes a arrogância atrapalha o desempenho da intuição. É necessário reconhecer nossas limitações e sermos capazes de nos abandonar confiantes nos braços dela. Ela é um aliado poderoso que nos pode indicar caminhos surpreendentes para a solução de problemas que nos parecem intransponíveis.
 A emoção tomou conta de mim. Eu estava pisando o mesmo chão que há tanto tempo servira de cenário para Elis quando foi em busca do povoado que Elux lhe indicara como alternativa de salvação. O mesmo refúgio que a acolhera naquela longínqua noite também me servira de abrigo. Demorei algum tempo para me refazer da forte emoção que sentia. Essa era mais uma prova de que eu estava no caminho certo. Bastaria confiar na minha intuição.
Segui caminho. Com as duas pranchas amarradas sob os pés, eu deslizava sobre a neve dando impulsos com os dois cajados. Inicialmente o terreno era plano, porém, agora, já, a descida era acentuada de modo que eu precisava controlar a velocidade. Apesar dos cajados, várias vezes, perdi o equilíbrio levando tombos espetaculares, porém, felizmente, sem conseqüências sérias. Somente alguns arranhões e o trabalho de, novamente, recolher os pertences que algumas vezes se espalharam por toda a parte.
 Parei diante de uma descida muito íngreme que, segundo a minha avaliação, seria um obstáculo difícil de transpor por que, além do declive, precisava contornar uma enorme pedra que obstruía a passagem por onde teria que passar. Mas não havia alternativa. Ou voltaria para procurar outro caminha ou confiaria na minha habilidade e desceria por aí mesmo. Planejei detalhadamente a descida e, segundo meus cálculos havia boas chances de êxito. Porém, já na primeira curva, perdi o equilíbrio e, sem controle rolei morro abaixo. Só lembro que bati, violentamente, minha cabeça contra uma pedra.
 Quando acordei do desmaio estava deitado sobre um leito dentro de uma choupana. Duas tochas iluminavam o ambiente. Era uma sala sem divisórias. Somente havia uma pequena parede atrás da qual estava a minha cama, talvez, para dar um pouco de privacidade a quem ocupasse o leito. Ouvi vozes conversando aí por perto. Tentei entender o que diziam, mas era um palavreado impossível de se entender. Então percebi que alguém vinha na minha direção. Rapidamente, fechei os olhos e fingi que ainda estava desacordado. A criatura, que se aproximou, pôs a mão sobre minha cabeça, depois segurou meu braço para verificar o pulso e em seguida se afastou novamente. Eu precisava saber o que estava acontecendo para elaborar um plano. Poderia tentar fugir! Mas para aonde?  Arrisquei abrir um cantinho do olho. Eu tinha uma visão, somente parcial, da sala por causa da parede. Porém, do lado oposto onde eu estava havia várias pessoas reunidas. Apesar da iluminação precária vi que tinham uma aparência semelhante a nossa. No meio deles, porém, havia um com as características do povo “civilizado”. Era mais alto e, aparentemente, ele liderava aquele grupo, pois os demais o cercavam e ouviam o que ele falava.
Já se passara algum tempo e eu precisava tomar uma decisão. Não podia ficar aí fingindo eternamente. Então, analisando a situação, presumi que a minha segurança não corria riscos, pois se quisessem me fazer mal já o teriam feito enquanto eu estava desacordado.  Sentei no leito onde estava deitado e com gestos tentei demonstrar que eu queria paz.
Ao me verem acordado se aproximaram. O líder tentou se comunicar comigo, mas a fala dele me era totalmente estranha. Nada do que já ouvira se parecia com aquele linguajar. Levantei as mãos para mostrar que estava desarmado. Eles imitaram o meu gesto dando a entender que queriam se comunicar comigo.
Então, o que parecia ser o líder disse alguma coisa enquanto mostrava, com seu longo braço, um canto da sala. Um dos presentes foi pegar minha mochila e a pôs sobre o leito onde eu estava sentado. Examinei os meus pertences e constatei que tudo estava aí. Desembrulhei uma porção do alimento que trazia comigo e comi, pois estava com muita fome. Então, o líder disse alguma coisa e um dos presentes me trouxe mais comida. Haviam-me preparado uma refeição. Eram tubérculos assados, frutas frescas, carne seca, água e outros preparados dos quais eu não pude identificar a origem, porém tudo muito saboroso. Tratavam-me com fidalguia, o que significava que eu não corria perigo.
Depois de cuidarem de um ferimento na minha cabeça, resultado da batida contra aquela pedra, todos se retiraram ficando somente dois indivíduos fortes, armados com lanças, que se postaram na entrada da choupana montando guarda. O líder, antes de sair, se aproximou, segurou-me pelas mãos e fez um carinho na minha cabeça machucada. Com seus longos braços gesticulou, pedindo que eu dormisse e que pela amanhã, certamente, eu estaria recuperado do meu tombo. A dor que antes sentia na cabeça aliviara depois do curativo. O leito, apesar de rústico, era confortável. Então dei liberdade aos meus pensamentos e me dei conta da transformação total que essa aventura maluca me impusera. Senti saudade da minha vida pacata que levava em Arroio Canoas, do meu chimarrão matutino, das crianças do meu coral, da Claudia, da Marlove, da Jocele e dos meus amigos virtuais. Da Aline e da Luciane que eu conhecera há pouco. E com essas lembranças gostosas povoando o mais íntimo do meu ser adormeci.

CAPÍTULO XIII
A SUBIDA PARA A MONTANHA.

 O sono foi reparador. Acordei animado ouvindo os pássaros anunciando o despertar do dia. Por algum momento tive a impressão de estar em casa. Mas a choupana, o leito onde dormira, e os guardas postados na porta me trouxeram de volta para a realidade. Desde que chegara a Orus jamais tivera essa sensação gostosa de familiaridade. Eu estava num santuário onde a natureza se mantinha íntegra. Esse pequeno território estava livre da ação nociva do homem graças a um bloqueio que impedia o funcionamento da alta tecnologia que os orianos de Além Cordilheira dispunham.
O líder entrou trazendo a minha refeição matutina. Enquanto me alimentava ele sentou do meu lado. Depois, me levou até a porta e com seu longo braço indicou a montanha congelada. Falou alguma coisa, mas como não conseguia entender, me segurou pelas mãos e baixou a cabeça em sinal de concentração. Depois, com um dos braços indicou novamente a montanha. Entendi que, talvez, ele quisesse subir a montanha comigo e lá se comunicar por telepatia.
Fiquei cinco dias confinado na choupana sempre vigiado por dois guardas. Tratavam-me com cortesia, e o líder, em pessoa, me trazia as refeições. Eram pratos saborosos e o cardápio era muito variado. Uma moça vinha, duas vezes ao dia, cuidar do meu ferimento que estava cicatrizando rapidamente. Durante esse tempo percebi que estavam se preparando para alguma atividade importante e extraordinária. Trouxeram para dentro da choupana víveres e vários equipamentos que, segundo a minha avaliação eram instrumentos utilizados para escalar. Tudo indicava que queriam subir, comigo, a montanha não sei por que motivo. Talvez me devolver ao mundo “civilizado”. Eu já estava recuperado do meu acidente e se estivessem esperando pela minha recuperação não havia mais motivo para adiar a excursão.
 Sete batedores, dois guias eu e o líder formávamos a comitiva. Ele, sentado numa espécie de maca, era carregado por dois dos sete que se revezavam depois de determinada distância percorrida. Eles eram homens fortes treinados para essa função. Os dois guias seguiam na frente, logo depois o líder carregado na sua maca e atrás dele eu. Os demais batedores formavam um semicírculo em torno de nós como se quisessem nos dar proteção.
 Seguíamos por um caminho onde quatro pessoas podiam andar, confortavelmente, lado a lado. À medida que avançávamos a paisagem ia se renovando. No começo, ainda no vale, a vegetação exuberante sinalizava um solo fértil. De quando em quando se abria uma clareira na beira do caminho onde a mata densa dava lugar a pequenos povoados. Vi também, lavouras com pessoas trabalhando.
 Na medida em que avançávamos, o caminho foi estreitando. Já havíamos deixado para trás o vale e agora percorríamos um terreno com acentuado aclive dificultando a nossa caminhada. A vegetação era mais rala e a temperatura baixara significativamente.
 Na nossa frente se descortinava uma paisagem linda, mas assustadora. No início ainda havia algum verde, mas depois o branco da montanha congelada impunha a sua presença dominadora. Era um paredão imponente que, do alto, nos olhava arrogante e ameaçador.
A partir de agora os guias tinham importância vital. Foram nos conduzindo por trilhas que somente eles conheciam, e nos orientavam para ultrapassarmos trechos perigosos. Os batedores se revezavam com mais frequencia na função de carregar o líder sentado na maca. A caminhada se tornara penosa na neve acumulada.
 Então fizemos uma parada. Comemos alguma coisa e orientados pelos guias, cada um calçou, sob os pés, uma pequena plataforma que impedia que afundássemos na neve e nos protegia de escorregões com as agarras que havia na parte de baixo. O ar rarefeito e o cansaço dificultavam, cada vez mais, a caminhada. Paredões e precipícios precisavam ser contornados para que a jornada pudesse prosseguir. Algumas vezes os guias se valiam de equipamentos como ferramentas para cavar a neve, cordas, estacas e argolas para subir terrenos íngremes ou rochas que não podiam ser contornadas. Inesperadamente, um acidente. O guia que caminhava na frente fora engolido. A neve cedeu e ele caiu no buraco. Os batedores que carregavam o líder também se desequilibraram e escorregaram para dentro da fenda aberto. O carregador que estava atrás conseguiu se segurar na borda do precipício e com muito esforço segurava a maca onde o líder estava amarrado. Arrastei-me para junto dele e então vi que no fundo do buraco havia água e o guia, lá em baixo, se debatia tentando não afogar naquela água congelada. O batedor que vinha na frente se segurava na maca onde o líder estava amarrado. Consegui agarrar a maca e mediante um esforço muito grande puxamos a maca para cima. O líder e o batedor estavam salvos. No entanto, vi que, no fundo do precipício o guia boiava inerte sobre a água. Então um dos batedores cingiu-se com uma corda e em dois o baixamos até o fundo. Agarrou-se ao guia e içamos os dois para fora do buraco. Ele não respirava e não tinha pulso. Então percebi que o consideravam morto e já se preparavam para jogá-lo de volta para o precipício. Aproximei-me e pedi para tentar salvá-lo. Vi que seus pulmões estavam cheios de água. Então me vali dos conhecimentos que adquirira num curso de primeiros socorros. Deitei-o com a cabeça para baixo e fiz respiração boca a boca enquanto fazia, também, massagem cardíaca. Jamais havia me deparado com uma situação dessas, mas era uma emergência e eu precisava tentar salvar aquele homem. Após varias tentativas o guia reagiu. Pôs para fora uma grande quantidade de água, recuperou a respiração e, também, o batimento cardíaco. Vi no rosto deles expressões de espanto, admiração e regozijo. O guia estava salvo. Depois de algum tempo se recuperou do trauma e acompanhou a comitiva normalmente.
A caminhada prosseguiu e após uma longa e exaustiva jornada, finalmente, chegamos ao topo da montanha. Restava percorrer, ainda, um longo trecho que, no entanto, não oferecia mais obstáculos significativos, pois era um terreno plano. Fizemos uma parada para nos recuperar do cansaço e, assim, enfrentar o último trecho da nossa caminhada.
 A vista era espetacular. De um lado a terra “selvagem”, o santuário preservado, onde os homens ainda viviam afinados com a natureza. Do outro, a terra dos “civilizados” que também, agora, estava preservada graças à escassa população humana, que vinha decrescendo perigosamente ameaçando a espécie de extinção.
Retomamos a caminhada. De repente, o guia que estava na frente, parou e, com seu cajado, apontou numa direção. Olhando atentamente percebi algo que interrompia a mesmice daquela paisagem. A comitiva vibrou de entusiasmo e, todos ruidosamente, se regozijavam com aquela visão. Com certeza estávamos chegando ao nosso destino. O líder desceu da maca e passou a andar com o grupo. Então entendi porque fizera se carregar. Como todos os “civilizados”, ele também, tinha uma grande dificuldade de caminhar. A alta tecnologia atrofiara seus membros tirando-lhes a habilidade de se moverem a pé. Mas fazendo um esforço muito grande, com seu jeito desengonçado, caminhou com o grupo até a chegada.
Era um abrigo que construíram aí, aproveitando um espaço grande debaixo de uma rocha, dádiva generosa da natureza. Com algumas adaptações, fizeram do lugar uma guarida seguro e confortável.
Os batedores removeram a neve que obstruía a entrada. Dois deles inspecionaram o local e, depois de o considerarem seguro, nos convidaram para entrar. Removeram a neve em mais dois lugares abrindo buracos que serviam de janelas permitindo, assim, a entrada de luz e a renovação de ar.
Depois de tudo organizado, descansamos por algum tempo. Eles, formando um círculo em torno do líder, conversavam animadamente. Vi que eu era o assunto por que, às vezes, olhavam para mim com ares interrogativos.
 Então, me pareceu que haviam chegado a um acordo. Desfez-se o círculo e se dispersaram enquanto um dos guias trouxe a maca. Percebi que ele e eu fôramos escalados para carregar o líder. Antes de partirmos, os dois guias confabularam rapidamente e concordaram com a direção que deveríamos tomar. Partimos somente nós três. O guia seguia na frente. De vez em quando conversavam alguma coisa. O líder não era pesado, mas na maca também levávamos mantimentos e alguns apetrechos. Em dado momento percebi, na atitude deles, que estávamos chegando ao nosso destino.  Quando identifiquei o lugar onde estávamos um arrepio me passou pelo corpo e fui tomado de grande emoção. Aquela pedra pontiaguda emergindo da neve não deixava dúvidas. Era o mesmo abrigo onde, há alguns dias, passara a noite. Ao chegarmos, o guia removeu a neve da entrada, verificou tudo, desarmou o alçapão e aí nos convidou para entrar. Tudo estava como eu havia deixado. Depois de termos organizado o local os dois se dirigiram para o fundo da caverna. Fazendo um gesto entendi que queriam a minha ajuda. Quando empurramos, a parede cedeu revelando uma sala bem ampla. Havia aí somente uma mesa e algumas cadeiras. Fiquei esperando na entrada enquanto os dois entraram. Percebi então que todo o esforço dispensado, trazendo o líder naquelas condições, tinha um importante objetivo. E o que planejaram deveria acontecer aí naquele recinto.

CAPÍTILO XIV

No mesmo instante em que cruzei a soleira daquela entrada revelou-se para mim todo o mistério daquela incursão. Inesperadamente, eu me comunicava com o líder por telepatia. Isso era maravilhoso. A soleira daquele portão indicava a linha divisória entre aqueles dois mundos. De um lado o “selvagem” onde a tecnologia não funcionava e do outro o “mundo civilizado” onde era possível a utilização de todos os recursos tecnológicos que os orianos detinham. O líder olhou para mim espantado por que jamais esperava que eu fosse habilitado em telepatia. Isso era uma habilidade que somente eles possuíam. Os “selvagens” não sabiam utilizá-la e nem era possível fazerem isso por causa do bloqueio. Desde a minha chegada à aldeia dos “selvagens” imaginavam que eu fosse um deles. Supunham que havia me perdido nas montanhas e que, por causa daquele acidente, eu estava desmemoriado, e que perdera a faculdade da fala. Tínhamos uma aparência física muito semelhante e por isso, com facilidade podiam me confundir com um deles. Eles eram um pouco mais altos, tinham uma musculatura mais reforçada e o corpo coberto de pelos ralos. Essas diferenças aparentes, no entanto, não impediam que me tomassem como um deles, pois tínhamos a mesma estrutura física. Nem ele, disse-me o líder mais tarde, podia ter imaginado a minha verdadeira história. Disse que me trouxera até aí porque sabia que dando-nos as mãos podíamos nos comunicar. Quando a comunicação fluiu sem contato físico ficou perplexo e essa revelação surpreendente, por um momento, o deixou sem ação. Vi que muitas dúvidas e questionamentos, de repente, o deixaram completamente desorientado. Nada do que pensava sobre mim, mais, fazia sentido. Então veio ao meu encontro e me abraçou. Disse para o guia que podia, agora, voltar até o abrigo principal, e como estava combinado ele deveria passar uma vez por dia para trazer víveres e saber se tudo estava bem. O guia saiu da sala e fechou o portão deixando-nos a sós. Comunicávamos-nos sem barreiras e sem ruído. Isso era maravilhoso. Agora eu podia esclarecer uma enxurrada de questionamentos que me afligiam. Desde que cheguei, a curiosidade me atormentava. Eu ficava agoniado porque não entendia o linguajar daquele povo. Queria fazer mil perguntas ao líder, mas não podia. A presença dele aí nesse mundo “selvagem” me intrigava sobremaneira. Sentamo-nos e nos damos as mãos para que a comunicação fluísse com total eficiência. Ele era um dos poucos orianos que detinham o título de “Máximo” que era conferido aos especialistas que dominavam a arte da telepatia ao mais alto grau.

CAPÍTULO XIV
ANÍBAL
Seu nome era Aníbal e então me contou:
- Quando eu ainda morava no “Outro Lado” falava-se em buscar ajuda fora de Orus. Eu tinha um amigo e ambos nos opúnhamos a esse projeto por que não achávamos justo envolvermos outras civilizações num problema que era nosso e que fora criado por nós. Defendíamos a idéia de buscar ajuda no nosso próprio planeta, justamente aqui, neste território, onde talvez, pudéssemos encontrar seres humanos, ainda com sua natureza preservada e a partir deles retomarmos a vida natural que abusivamente havíamos ignorado durante tanto tempo. Certo dia, há muitos anos, decidimos partir por nossa conta. Pegamos alguns mantimentos e apetrechos e com os nossos aparelhos de locomoção individual viemos para cá. Falamos para ninguém sobre o nosso propósito por que sabíamos que fariam de tudo para impedir tamanha “insanidade”. Ultrapassamos o cercado eletrônico e pousamos. Consultando os meus aparelhos vi que a alguns passos daí ficava a linha divisória que depois de ultrapassada impossibilitava a utilização das tecnologias. Nesta hora ainda podíamos desistir do nosso empreendimento, mas estávamos decididos a continuar, pois nutríamos a esperança de poder fazer alguma coisa pela humanidade.
 A tese de procurar ajuda em Orus não teve acolhida porque, dizia-se, que procurar em outro planeta era mais fácil do que neste território “selvagem” onde nada do que conhecemos funcionava. E, além disso, estavam convencidos que nenhum humano vivia por aqui e que sabiam que o território estava infestado de animais violentos e perigosos.
Assim, levando somente alguns víveres, e o aparelho de transporte individual, ultrapassamos a linha. A partir daí éramos seres totalmente fragilizados. Estávamos tão habituados com as tecnologias que sem elas éramos totalmente indefesos. Com dificuldade passamos a caminhar por sobre a neve branca e macia. Estávamos decididos a continuar na empreitada, mas as dificuldades eram enormes. A fragilidade física, o intenso frio da montanha congelada e, aos poucas, o cansaço dificultavam, ainda mais, nossos movimentos. Após longo tempo, havíamos percorrido apenas um pequeno trecho. Aliás, caminhávamos sem uma meta pré-estabelecida. Nada fora planejado. Esperávamos que o destino conduzisse nossos passos para algo que pudesse nos revelar uma alternativa de salvação para o nosso povo. Repentinamente o meu companheiro parou. Com a mão estendida indicou para uma rocha saliente que despontava da neve. Foi assim que descobrimos esse lugar onde estamos agora. Ao entrarmos no abrigo percebemos sinais da presença humana. Havia alguns apetrechos um leito improvisado, frutas, cereais e carne seca. Certamente, eram reservas de alimentação para algum batedor ou guarda das montanhas.
Mais tarde descobri que aí passava a linha divisória entre os dois mundos. Com a ajuda dos “selvagens” Construímos então esse portal.
Não sei por quantos dias, meu companheiro e eu, passamos aí naquele abrigo. No início nos alimentávamos com as reservas que trouxemos em forma de comprimidos e líquidos. Essa é a alimentação habitual do povo “civilizado”. São concentrados que contém todos os elementos necessários para a saúde e o sustento. A dieta era complementada com água que o gelo derretido fornecia. O abrigo, a pesar de precário, oferecia condições mínimas de conforto. Durante os dias ensolarados saíamos para apanhar sol e apreciar a beleza daquela paisagem. Quando nos afastávamos um pouco mais, podíamos ver, lá longe, o vale onde o branco cedia seu lugar para a vegetação verdejante. Os montes se desdobravam e a alternância de sol e sombras revelava uma paisagem linda, mas assustadora. Era maravilhoso ficarmos assim aí, mas eu sabia que as nossas reservas, um dia acabariam e por isso decidimos iniciar um racionamento. Um dia, pela manhã, encontrei o meu companheiro morto. Decidira morrer para deixar as reservas para mim.
A partir daí, eu estava sozinho naquela vastidão branca. Com dificuldade puxei para fora o corpo do meu companheiro e o enterrei na neve. Agora havia mantimentos para mais alguns dias, mas mesmo assim, eu sabia que um dia, acabariam.  Resolvi me alimentar com os mantimentos que alguém deixara aí. Triturei alguns cereais e fiz uma pasta. O gosto era horrível, mas mesmo assim consegui engolir uma pequena porção. Depois experimentei um pedaço de uma fruta. O sabor era menos desagradável. Decorrido algum tempo senti dores horríveis no abdômen. O nosso aparelho digestivo não estava mais habituado com a função digestiva e por isso a presença do alimento no meu estômago provocava essas dores. Passei, assim, alguns dias tentando habituar o meu corpo a essa nova forma de alimentação, mas milhares de anos não são recuperados de um dia para o outro. Quando já estava muito fraco eis que numa manhã, apareceram os guardas das montanhas. Ficaram surpresos com a minha presença. Empunhando lanças se aproximaram prontos para me alvejar. Então, percebendo o meu estado físico debilitado, concluíram que eu não oferecia perigo e abaixaram as armas. Eu estava deitado no leito que ficava além da linha que dividia os dois mundos. Com gestos pedi ao líder que me desse as mãos. Eles conheciam essa linha divisória e por isso relutou em se aproximar de mim temendo que lhe fizesse algum mal com os meus poderes que funcionavam onde eu me encontrava. Mesmo assim se aproximou, porém seus dois companheiros ficaram com as lanças apontadas para mim. Quando segurei suas mãos pude me comunicar com ele. Pedi que não me fizessem mal, que eu viera em paz e que eu precisava de ajuda. Pela expressão do seu rosto percebi que ficou muito confuso. Livrou-se das minhas mãos e recuou para junto de seus companheiros. Sempre com suas lanças ameaçadoras apontadas para mim conversavam. Eu não entendia uma palavra do que diziam. Parecia que estavam em conferência para decidirem o que fariam comigo. Entendi que o líder lhes contou como eu me comunicara com ele. Estendi novamente minhas mãos e então o líder indicou um dos seus auxiliares e lhe disse alguma coisa. Ele largou sua lança e se aproximou com ares de desconfiança. Segurei sua mão e aí a comunicação fluiu. Pedi para que ele convidasse seus dois companheiros para que eu pudesse conversar com os três. Então, o líder segurou na minha outra mão e o terceiro deu suas mãos para os dois fechando o círculo. Conversamos por longo tempo. Faziam-me perguntas que eu não conseguia entender. Expliquei-lhes que eu não entendia a língua deles. Eu só era capaz de lhes comunicar, através da telepatia, o que eu queria lhes dizer. Consegui que serenassem e sentissem confiança em mim. Entenderam que não havia o que temer. Estavam calmos e se sentiam seguros. Contei lhes tudo sobre o que se passava. O drama do meu povo, e o motivo de estar aí. Expliquei-lhes que estava assim debilitado porque minhas reservas de alimento haviam acabado. Generosamente, tentaram me dar das suas reservas. Tive que lhes explicar da dificuldade do meu organismo para se adaptar a essa alimentação porque depois de milhares de anos de desuso meu aparelho digestivo não conseguia mais cumprir com sua função. Então o líder falou alguma coisa e um dos subalternos foi pegar uma tigelinha que continha uma substância pegajosa e muito doce. Mais tarde soube que aquilo era mel e que eles sabiam que esse produto que as abelhas recolhiam na natureza continha açúcares que não necessitavam serem quebrados para a absorção pela corrente sanguínea. De fato recuperei um pouco as minhas forças, mas aquela comunicação exigira de mim um esforço muito grande. Eu precisava descansar.
  Não sei por quanto tempo dormi. Ao acordar vi que haviam improvisado uma maca. Iriam levar-me para a aldeia. Ficamos mais dois dias e nesse tempo aprendi a dizer algumas palavras que permitia me comunicar, minimamente, com eles.
Na manhã do segundo dia, me puseram na maca e partimos em direção a aldeia. A falta de alimentação me deixou extremamente debilitado. Tentei ajudar a subir na maca, mas estava tão fraco que qualquer movimento que quisesse fazer seria uma façanha. Antes de partir, ainda, se alimentaram e fizeram para mim um preparado com mel e uma pequena porção de cereais. Pude ver que entenderam perfeitamente a minha dificuldade e sabiam que o mel, graças as suas características, supria minimamente as minhas necessidades de alimentação. Pude constatar que eram inteligentes e sabiam usar essa faculdade em situações práticas como no preparo da porção que me davam para comer. Acresciam ao mel pequenas porções de outros alimentos com o objetivo de rehabituar o meu estômago à alimentação natural. Essa foi a minha maior dificuldade para me adaptar a esse mundo “primitivo”. Mas com a paciência e a bondade desse povo, aos poucos, meu aparelho digestivo começou a cumprir com a sua função primitiva. Depois de muito tempo, as dores foram diminuindo e, também, fui recuperando as forças. Também aprendi a falar sua língua. Ainda não recuperei a agilidade e a força físicas e os movimentos das minhas pernas. Hoje, a pesar de muitas restrições, estou adaptado à vida desse povo que me quer bem, me admira e me respeita a ponto de me elegerem seu líder.
CAPÍTULO XV
  Depois da sua narrativa contei toda a minha história desde o dia em que Áquilus e aquelas duas moças vieram me pegar na minha casa na Estrada Geral de Arroio Canoas um pequeno lugarejo no distante planeta Terra. A intensa comunicação, à qual nos havíamos submetido, nos deixou exaustos.
Lá fora ainda o sol brilhava. Largamos nossas mãos e aproveitamos a claridade para apreciarmos a natureza que daí de cima da cordilheira mostrava todo o seu esplendor. Até onde a vista alcançava as montanhas se sucediam vestidas de um branco intenso e deslumbrante. Alguns picos mais elevados refletiam os últimos raios de sol enquanto, em outras partes, as sombras já estendiam seu manto lúgubre e assustador. A paz e o silêncio reinavam absolutos nesta vasta solidão. Aproveitamos o resto de claridade do dia para nos instalarmos no nosso abrigo. E, enquanto eu esperava o sono chegar recordei a minha recente história: os meus amigos no distante planeta terra, a minha casa e a minha rotina da qual fora arrancado no dia em que vieram me buscar, lembrei de Luna e Fernanda. Mas eu estava bem. Estava vivendo uma aventura que nenhum outro ser humano se quer podia imaginar. E agora, mais do que nunca, eu tinha certeza de que estava no rumo certo para um desfecho favorável do que me propunha.  Esse povo, aí debaixo do nariz dos orianos, podia resolver os problemas que os afligia. Uma luz de esperança despontava por detrás das nuvens ameaçadoras da extinção da espécie humana.
Na manhã do dia seguinte, um dos guias, aquele de quem eu salvara a vida, fez a ronda que passou a ser rotina durante os dias em que permanecemos no abrigo. Trouxe mais víveres e examinou tudo com cuidado. Depois, pediu que me ajoelhasse diante dele. Impôs as mãos sobre minha cabeça e recitou alguma coisa que parecia ser algum verso ou uma oração. Tirou um colar do seu pescoço e o colocou em mim. Depois, segurou-me pelas mãos e me fez levantar. Deu-me um abraço e emocionado me falou alguma coisa. Aníbal vendo que eu não entendia o significado daquele cerimonial me explicou que o guia estava agradecendo por eu ter salvado sua vida. Era a tradição daquele povo e eles a cumpriam rigorosamente. O colar era um conjunto de conchas, sementes, cubos de madeira trabalhados e no centro um medalhão de barro com a figura, em alto relevo, de uma ave com as asas abertas. Os elementos estavam artisticamente distribuídos de modo que formava uma peça de muito bom gosto. Depois se despediu e nos deixou novamente sozinhos.
Durante os dias que ficamos na montanha, todas as manhãs, um batedor fazia a ronda para trazer mantimentos e conferir se tudo estava bem. Aprendi, precariamente, o idioma desse povo. Aníbal disse que era importante entender a estrutura da língua. Que para mim era mais fácil, pois tinha um professor. Disse que ele teve que aprender sozinho e, ao mesmo tempo, se adaptar, também, às drásticas mudanças que esse novo mundo estava lhe impondo como, por exemplo, a terrível adaptação aos alimentos naturais.
No sétimo dia Aníbal pediu ao batedor que deixassem tudo preparado para voltarmos, no dia seguinte, para a aldeia. Nós dois havíamos concordado que a nossa tarefa, aí nas montanhas, estava concluída. Aníbal, agora, conhecia toda a minha história e eu a dele. Eu já conhecia, precariamente, o idioma para me comunicar com aquele povo. Agora seria só praticar para aperfeiçoar o meu conhecimento e o melhor lugar para isso seria conviver com eles no seu dia a dia.
Naquela noite, abri o portal e entrei na sala onde a telepatia funcionava. Pela primeira vez, desde que parti, conversei com Dora, minha companheira, que ficara na aldeia cuidando da minha casa e das minhas coisas. Disse-me que estava com muita saudade, que desde que eu havia partido não teve mais alegrias. Disse que queria repetir aquela experiência maluca que a fez se sentir tão bem. Contou-me que estava preocupada com sua saúde porque há alguns dias teve um sangramento e se sentiu indisposta, mas que não me preocupasse, pois tudo já havia passado e que agora estava bem. E além do mais, disse, que Lídia, quando soube dos seus problemas de saúde, voltou a morar com ela. Isso me deixou mais tranquilo, pois tinha alguém para lhe fazer companhia e prestar socorro em caso de necessidade urgente. Mesmo assim o estado de Dora me preocupava. Os orianos não tinham problemas de saúde. O coquetel continha todos os ingredientes para o sustento e a perfeita saúde. Então uma ideia maluca me passou pele cabeça: estaria ela menstruando? Talvez o nosso relacionamento íntimo tivesse despertado o seu instinto de mulher adormecido há milhares de anos e ela agora teria voltado a ovular?  E se as minhas suspeitas procedessem ela poderia engravidar!? Isso, certamente, teria desdobramentos surpreendentes e significativos. Uma enxurrada de questionamentos e possibilidades assolou minha mente. Quem sabe seria esse o caminho da volta! O caminho da salvação que eu perseguia desde a minha chegada a Orus! Os sintomas que me relatara eram de uma menstruarão. Imediatamente fui procurar Aníbal. Quando lhe relatei o fato e as minhas suspeitas ele ficou entusiasmado. Concordou comigo que era um acontecimento auspicioso. Então combinamos que eu voltaria imediatamente para a aldeia, para junto de Dora. Ele, por enquanto, ficaria nas montanhas, pediria para um dos guias lhe fazer companhia, e se comunicaria comigo, por telepatia, para ficar a par dos desdobramentos do esperançoso fato.
E então, em vez de descer a montanha para a aldeia dos selvagens, voltei para junto de Dora. Ainda antes de partir me comuniquei com ela. Disse-me que o sangramento voltara e que Lácius estava a par do acontecimento.
Ela estava agoniada e preocupada com seu estado de saúde. Chorava enquanto se comunicava comigo. Então a tranquilizei e lhe falei das minhas suspeitas. Que aquilo não era um fato negativo, mas, provavelmente, algo que poderia significar a salvação do povo de Orus. Que não se preocupasse e que eu estava voltando para junto dela. Ela disse que não entendia o que lhe falei, mas que, agora, estava mais tranquila por que confiava em mim.
 Ao partir, o batedor de quem eu salvara a vida, disse que gostaria de partir comigo.
Muni-me do “equipamento de transporte individual” e, com o batedor na minha carona, partimos em direção ao povoado. As coordenadas estavam, ainda, registradas por isso não tive dificuldades para voltar. Depois de atingir a altura deseja partimos, deixando para trás a montanha branca.
Quando chegamos ao povoado percebi um grande tumulto. Uma pequena multidão cercava a minha casa e parecia exaltada. Comuniquei-me com Áquilus, o líder do povoado, que me disse estar o povo me culpava pela suposta doença que acometera Dora. Então pedi que me recebesse porque o que estava acontecendo poderia significar a salvação que procurávamos durante todo esse tempo.
Recebeu-me na sua sala. Levei comigo o batedor que fazia questão de ficar ao meu lado como um escudeiro fiel a proteger seu senhor. Fazia isso como pagamento por ter salvado sua vida quando despencou naquele precipício. Aquilus se assustou no primeiro momento, mas quando soube por que o “selvagem” estava comigo se tranquilizou. Depois que lhe expliquei, detalhadamente, o relacionamento que tivera com Dora ficou entusiasmado com as minhas suspeitas. Pediu para o povo se retirar e, então, finalmente, pude me encontrar com ela.
Dora estava feliz com a minha volta. Ficou surpresa com a minha companhia. Então lhe apresentei o batedor e contei toda a história e os laços que nos uniam. Lidia também me cumprimentou. Agradeci-lhe pela companhia que fazia a Dora e lhe apresentei o “selvagem” que estava comigo. Ela segurou o batedor pelas mãos e o convidou para um passeio deixando-nos a sós.  Abraçamo-nos e ficamos assim por um longo tempo. Senti muita paz e conforto no meu coração. Os últimos dias foram marcados por muitas emoções, atividades e preocupações. Foram dias agitados e eu precisava de descanso, de sossego. Conversei muito com Dora e lhe expliquei o que, provavelmente, estaria acontecendo com ela. Então me disse que nunca experimentara uma sensação tão forte de tranquilidade e paz, e que estava lisonjeada com tudo o que estava acontecendo com ela. Pela primeira vez se sentia importante e sabia que sua vida poderia ter algum significado. Ficava emocionada com a possibilidade de ser mãe. Isso mexeu com ela de tal modo que chorou de emoção. Percebi que o seu lado de mulher e mãe, adormecido durante milhares de anos, estava despertando com todo vigor. De fato a natureza é incrivelmente perfeita. Ela não tem pressa. O tempo para ela nada significa. E por mais que pareça subjugada um dia restabelece o seu domínio com vigor redobrado exibindo toda a sua pujança.
Combinei com Lácio, que ainda estava na montanha, que eu ficaria durante algum tempo com Dora para descansar e também avaliar as suas reações diante das mudanças que a natureza produzia em seu corpo. Ele, também, voltaria para sua aldeia, pois, ambos precisávamos refletir sobre os últimos acontecimentos e decidir sobre o que faríamos com as novidades que estavam sendo reveladas. Combinamos que dentro de noventa dias, Ele voltaria à montanha e se comunicaria comigo. Como sabemos, somente aí era possível a comunicação por telepatia e então tomaríamos alguma decisão sobre ações futuras.  

CAPÍTULO XVI
DIAS FELIZES AO LADO DE DORA

Dora e eu voltamos à nossa rotina. Ela estava muito feliz com a minha volta. Nas nossas conversas procurei informá-la sobre as mudanças que, supostamente, estavam acontecendo com ela. Falei-lhe dos costumes e da vida no meu planeta terra. Ensinei-lhe os princípios básicos da língua dos selvagens. Eu já me acostumara com as diferenças anatômicas dessa gente a tal ponte que me considerava um deles. Comecei a ver traços de beleza feminina em Dora. Na nossa intimidade ela era carinhosa e sem perceber ela foi conquistando o meu coração. Sentíamos uma atração incontrolável um pelo outro. Este foi um dos melhores períodos que vivenciei em Orus. Estávamos apaixonados e em lua-de-mel. Em épocas passadas, esses seres me causariam asco. Agora estava apaixonado por uma fêmea deles.
Sugeri que Lídia e o batedor tivessem sua própria casa. No começo houve alguma relutância, mas acabaram aceitando a minha sugestão. Desse modo recuperamos a nossa privacidade. Visitávamos, com frequência, o casal e percebi que, aos poucos, estavam se entrosando e interagiam com naturalidade. Nos nossos encontros procurávamos nos comunicar na língua dos “selvagens”. Depois de algum tempo, as conversas já fluíam com naturalidade. Isso era auspicioso, pois eu previa que, talvez, no futuro isso nos seria de grande valia.
Aproveitei esse período para conhecer Orus. Dora me acompanhava nas incursões. Sobrevoamos inúmeras regiões do planeta. Havia um equipamento de transporte coletivo, com espaço para duas pessoas. Ele era usado em excursões mais longas porque ao desenvolver altas velocidades protegia o passageiro do atrito com o ar. A tecnologia dos orianos controlava a inércia e a gravidade, mas não o atrito com o ar. Por isso nos deslocamentos em alta velocidade não podia ser usado o equipamento individual onde a pessoa ficava totalmente exposta à atmosfera do planeta.
 Visitamos regiões longínquas tendo sempre o cuidado de registrar as coordenadas de casa para que pudéssemos voltar sem perigo de nos perdermos. Assim, conhecemos lugares maravilhosos: praias encantadoras, cascatas, desertos, montanhas e vales verdejantes. Seguidamente pousávamos para interagir melhor com a natureza do planeta. Dora se assustava quando pousávamos por que fora ensinada que fora das aldeias, que eram protegidas com cercados eletrônicos, não havia segurança contra animais selvagens e perigosos. A constituição física deles estava tão fragilizada que temiam qualquer coisa na natureza. Mas eu sabia que não havia perigo algum, pois o animal que lhes metia tanto medo era um felino um pouco maior que um gato doméstico. Em épocas passadas eliminaram todos os animais maiores. Deixaram somente esse predador por que estudos indicavam que ele era necessário para a manutenção do equilíbrio. Havia somente um espaço no planeta que mantinha a natureza intacta. A terra dos “selvagens” que era totalmente cercada impedindo que qualquer selvagem fosse ele homem ou animal pudesse ultrapassar os limites daquele pequeno território.
Sobrevoando o planeta tive a impressão de uma natureza preservada. Enormes extensões de florestas verdejantes eram a rotina. Muito raramente, havia uma clareira que indicava a presença humana. Eram pequenos povoados e todos com a mesma estrutura. A população humana, realmente, estava reduzida aos habitantes de uns poucos povoados espalhados pela imensidão do espaço do planeta. Assim sobrevoamos todos os continentes graças a esse equipamento maravilhoso que desenvolvia velocidades incríveis.
 Segundo a minha avaliação, tudo estava pronto para o recomeço.
 Quando conversava com Dora sobre a importância da sua participação nesse processo, ela ficava orgulhosa e emocionada. Disse que jamais teve tanta vontade de viver. Sabia que precisava adaptar seu corpo ao novo modo de vida, e que para isso teria que enfrentar muitas dificuldades. Mas não iria fraquejar. Queria lutar por alguma coisa. Queria um objetivo na vida. O destino lhe reservara uma missão grandiosa e ela seria digna dessa incumbência.
Iniciamos algumas atividades que visavam a retomada da função digestiva. Lembrei-me da experiência exitosa de Áquilus que iniciou uma dieta com mel, pois é um alimento que contém alguns açúcares que não necessitam serem quebrados para que o corpo possa absorvê-los através da corrente sanguínea. Aos poucos, fomos misturando pequenas porções de cereais triturados. Também diminuímos a dosagem dos indutores de humor. Ela sofreu muito. Dores abdominais violentas acompanhadas com momentos de humor quase insuportáveis. Eu sabia que ela precisava passar por essa fase por isso, com paciência, compreensão e uma alta dose de amor, eu tolerava o seu péssimo humor. Depois de vários dias percebi uma melhora repentina e surpreendente. Seu humor de antes estava de volta. Imaginei que ela pudesse estar me enganando e, às escondidas, estivesse tomando os controladores de humor. Mas, me garantiu que não. Que seguia rigorosamente a dieta estabelecida. As dores abdominais também haviam sumido. Disse que os alimentos naturais agora lhe apeteciam e passou a alimentar-se com a minha dieta.
Não pude entender uma mudança tão drástica e repentina. Nesse mesmo tempo eu esperava que a menstruação de Dora voltasse se é que aquele sangramento e a indisposição realmente tivessem ocorrido em função de menstruarão. Esperei vários dias, mas o sangramento não voltou. De repente, me ocorreu um pensamento tão maluco que me deixou sem fôlego. Estaria ela grávida? Aquelas mudanças tão repentinas seriam em função da gravidez? E a suspensão da menstruação? Fui ter com ela e a abracei emocionado. Ela não entendeu esse meu estado repentino de euforia. Então sentamo-nos frente a frente e lhe falei das minhas suspeitas. Tudo indicava que ela estava grávida. A suspensão da menstruarão, aquelas mudanças repentinas de comportamento...
 O instinto materno estava preparando seu organismo para ser mãe. Isso era maravilhoso. A natureza humana voltara a palpitar dentro dela. Eram os primeiros sinais do recomeço, da esperança, do caminho da volta que haviam perdido.
Combinamos manter segredo até que tivéssemos certeza sobre as nossas suspeitas. Em pouco tempo, seu ventre começou a apresentar os primeiros sinais da gravidez. Seus seios cresceram. Não havia mais dúvidas. Então passou a vestir roupas apropriadas para não chamar a atenção das pessoas que poderiam interpretar mal as mudanças que seu corpo exibia.
Fomos procurar Áquilus para lhe contar sobre a auspiciosa notícia.
Ele ficou enternecido. Ajoelhou diante de Dora beijou seu ventre que já exibia os primeiros sinais da gravidez. Acariciou, carinhosamente, aquela protuberância como se estivesse afagando um filho amado. Viu os seios dela se desenvolvendo. Percebeu que estava diante de um milagre; o milagre da volta. Nesse momento percebeu que a natureza soberana estava retomando o seu lugar depois de agredida e, aparentemente, subjugada. Ah o tempo! O que importa o tempo? A natureza tem mil caminhos para trilhar. Anos e séculos para esperar! Se a prepotência do homem cria obstáculos, com toda a paciência, ela os contorna. Sem pressa e sem alarde elege outro caminho. Ela é perfeita e insubjugável. Ela irá retomar a soberania mesmo que para isso tenha que se valer de crueldade. Sofre calada, os abusos de mil gerações e se vinga de uma só porque somos um tecido único desde o princípio. Quando parece derrotada ressurge vigorosa onde ninguém podia imaginar. Seria ela “o Deus da Vingança” que as religiões proclamam?  Ou somente um instrumento Dele?
 Ficou um longo tempo ajoelhado diante de Dora em compenetrado silêncio. Queria vivenciar, intensamente, esse momento do qual, talvez, somente ele tinha a exata noção do verdadeiro alcance.
Um dia, Lídia veio procurar Dora e lhe contou que também menstruara. A natureza, em Lídia, percorria o mesmo caminho. Quando fui procurar o “selvagem” me disse que estava muito feliz ao lado de Lídia. Que era uma ótima companheira e, com um sorriso maroto nos lábios, disse que também dormiam na mesma cama.
O caminho da volta estava cada vez mais evidente.

CAPÍTULO XVII

Eu não tinha mais dúvidas. A gravidez de Dora, e agora, também, a menstruarão de Lidia indicavam, com clareza, o caminho a ser seguido. Reuni-me com Áquilus e lhe expus o meu plano de ação. Sugeri partirmos para a montanha, pois de acordo com o combinado, Lácio, por essa época, deveria voltar, também, para a montanha para que pudéssemos nos comunicar e juntos combinar um plano de ação. Eu esperava, ansiosamente, por um contato com Lácio. Ele só podia fazer isso quando, já, estivesse na montanha, em algum lugar além da linha que divide os dois mundos onde a telepatia é possível. Devido à demora resolvemos partir mesmo sem o contato com ele. Levamos, também, o meu fiel escudeiro que, agora, já se comunicava por telepatia e fora habilitado no uso do equipamento individual de locomoção. Partimos numa nave coletiva com capacidade de transportar um grande número de pessoas, porém cada um trouxe, também, o seu equipamento de transporte individual. As duas mulheres voltaram a morar na mesma casa e na despedida nos garantiram que ficariam bem. Cuidariam uma da outra e estavam felizes com as coisas que estavam acontecendo com elas.
 Quando chegamos à montanha pousamos aquém da linha divisória dos dois mundos. Então vimos um grande tumulto no outro lado do cercado eletrônico. Lácio estava amarrado e uma pequena multidão o cercava. Quando nos viram tentaram nos agredir arremessando pedras, flechas, lanças e tudo o que estava ao alcance deles. Porém o cercado nos protegia de qualquer agressão. Meu escudeiro identificou o líder do grupo. Seu nome era Rumby, um homem violento com atitudes agressivas e hostis. Fora líder dos “selvagens” antes de Lácio e, provavelmente, retomara o poder. O escudeiro e eu nos aproximamos do cercado e pedimos para falar com Rumby. Ele se aproximou, porém ficou atrás da linha que delimita os dois mundos, pois temia que lhe fizéssemos algum mal onde a nossa tecnologia funcionava. Deixei que o escudeiro falasse, pois eu, ainda, não dominava perfeitamente o idioma. Pedimos que soltassem Lácio. Queríamos saber oque estava acontecendo. Então Rumby disse que retomara o poder porque o povo ficou sabendo que os responsáveis pelo cercado que os mantinha cativos àquele pequeno território eram os “civilizados” e que Lácio era um deles.
- Não queremos traidores no nosso meio e muito menos torná-los nossos líderes. Somos habitantes desse planeta e temos os mesmos direitos para usufruir dos seus recursos como qualquer outro.
- Exigimos a suspenção do cercado, disse ele enfaticamente e com voz firme. Depois conversaremos sobre Lácio!
Aproximei-me do cercado e disse que iria passar para o outro lado. Que tinha muitas coisas importantes para negociar e uma delas era, justamente, a suspensão do cercado eletrônico. Pedi que depusessem as armas porque eu vinha em paz. Rumby me garantiu que não me fariam mal, mas que ficariam com as armas. Com a permissão dele levei comigo o meu escudeiro que, por ser um deles e porque dominava perfeitamente o seu idioma poderia ser de muita utilidade nas questões que eu pretendia negociar. Com o aparelho de transporte individual subimos o suficiente para fugir da ação do cercado eletrônico e pousamos no outro lado. Agora estávamos sem proteção. A única coisa que tínhamos era a promessa de Rumby de que não nos faria mal algum. Assim que pousamos, nos cercaram e ficamos sob a mira das suas lanças. Pedi para nos aproximar de Lácio para saber se ele estava bem. Permitiram que conversássemos rapidamente. Ele estava bem. Disse que era prisioneiro deles, mas que jamais o maltrataram.
Então chamou dois dos seus assessores para participarem das negociações e pediu que os demais se afastassem. A uma distância razoável fizeram um círculo ao nosso redor e apontavam, ameaçadoramente, suas lanças em nossa direção. Como eles estavam em três argumentei que seria justo que o meu escudeiro e, também, Lácio participassem da reunião. Com um olhar, consultou seus pares e então consentiu.
Relatei-lhes toda a minha história desde a chegada em Orus. Falei-lhes dos perigos de extinção da espécie. Que os civilizados estavam conscientes dos erros que cometeram e que queriam voltar. Então, sentindo-se incapazes de resolver seus próprios problemas vieram pedir ajuda. Do distante planeta Terra vim para achar uma solução. Falei-lhes que acreditava na intuição como uma fonte de sabedoria que está dentro de cada um e que foi ela que me mostrou o caminho para encontrá-los. Hoje estou convicto que o teu povo, que na sua essência, ainda conserva vibrante a natureza humana, é a única possibilidade de salvação para a humanidade em Orus. Que os civilizados tem os mesmos propósitos que eles. Querem voltar, ser novamente pessoas como a Natureza os fez. Que existe aí fora um planeta inteiro pronto e recuperado para recebê-los. Só que isso deve ser feito sem atropelos e com parcimônia. Falei-lhes da esterilização, da reprodução assexuada através da clonagem, da tecnologia e todos os problemas que isso acarretou depois de milhares de anos.
 Rumby quis saber oque queríamos com eles. Que participação teria seu povo nesta história toda. Então lhe falei da surpreendente gravidez de Dora e de Lídia depois de conviverem comigo e com o meu escudeiro mostrando que o seu instinto sexual e materno somente estava adormecido, e que, agora, voltara a se manifestar com todo vigor. O corpo das mulheres não sofrera mutilações ao contrário dos homens que ao nascerem eram esterilizados.
- Precisam de vocês para acasalar com suas mulheres.
- E porque faríamos isso?
- Por que a agressão imposta à natureza dos homens deixou-os fisicamente incapazes de acasalar e emocionalmente indiferentes ao sexo. Estão convencidos que será a única saída para impedir a extinção da espécie humana em Orus.
- E nós, oque ganharemos?
- Os “civilizados” se comprometem a levantar o cercado e compartilhar com vocês o espaço de todo o planeta. Abdicarão de toda a tecnologia que os desviou da sua trajetória natural. Veem vocês não como inimigos, mas como salvação, como a única saída do atoleiro em que se meteram. Querem fazer da população de Orus um único povo, pois sabem que apesar das diferenças aparentes são, geneticamente irmãos.
Rumby e os seus dois assessores se afastaram para confabularem. Percebi que não havia consenso em relação ao que deveriam decidir. Mais pessoas do grupo foram chamadas para participar da reunião. Depois de muito tempo, percebi que haviam chegado a um consenso. Os três vieram falar conosco. Percebi que a guarda redobrara a vigilância que estava relaxada com alguns sentados e outros conversando animadamente. Isso não era um bom sinal. A negociação não seria tão pacífica como imaginara no princípio. Rumby falou:
- Não acreditamos em vocês.
 E nos amarraram.
Rumby falou:
- Queremos ver Dora e Lídia.
O pedido dele deu-me um novo alento. Estavam, somente, cautelosos. Pedi para entrar no espaço que permitia me comunicar por telepatia. Precisava falar com Áquilus e também com as mulheres.
Após rápida reunião acataram o meu pedido. Eles sabiam exatamente onde passava a linha que dividia os dois mundos. Concordaram que eu ultrapassasse a linha, mas a uma distância que permitia que suas lanças me atingissem se necessário. Reforçaram, também, a guarda sobre o meu escudeiro e Lacio.
Coloquei Áquilus à par das negociações. Ele se mostrou otimista a pesar da cautela dos “selvagens”. Dora e Lídia estavam orgulhosas e se mostraram dispostas a colaborar no que fosse de seu alcance. Assim, em pouco tempo, as duas mulheres chegaram acompanhadas por Áquilus que, em pessoa, quis participar das negociações. Percebi que a presença das duas mulheres mexeu com a animosidade dos “selvagens”. A gravidez de Dora, já em estágio avançado, e a de Lídia, exibindo os primeiros sinais, os deixaram impressionados.
Depois de examinar, cuidadosamente, as duas mulheres e se certificar da sua gravidez, Rumby disse que acreditava na nossa palavra. Porém, como primeiro gesto de boa vontade, exigiu que fosse levantado o cercado eletrônico. Após uma rápida reunião sugeri que concordássemos com o pedido. Áquilus, no entanto, ficou indeciso porque suspender o cercado no território dos “selvagens” implicava, também, no desligamento de todos os cercados que protegiam os povoados contra qualquer invasão de animais ou o que quer que fosse. Argumentei que seus temores não tinham fundamento. Que nenhum perigo ameaçava os povoados. Que nesses últimos tempos andei por todo o planeta e nada encontrei que pudesse representar alguma ameaça à segurança das pessoas. Que o felino que tanto temiam era um pequeno animal que fugia assustado com a aproximação de qualquer humano.
Então, Áquilus anunciou que o cercado seria desativado, porém, em troca havia algumas exigências de nossa parte. Levaríamos conosco, em torno de cem homens para serem distribuídos pelos povoados. Lá ensinariam aos “civilizados” a falar seu idioma, a se adaptar á sua alimentação e também a preparar e produzir os alimentos.
Com facilidade conseguimos cem voluntários entre o povo que estava aí reunido. Quando já estávamos em segurança Áquilus ordenou o desligamento do cercado. Lá do alto pudemos ver que os “selvagens” festejavam o acontecimento com ruidosas manifestações. Pulavam, dançavam e jogavam neve para o alto.
Em pouco tempo estávamos em casa. A nave coletiva desenvolvia velocidades incríveis graças ao controle da inércia e da gravidade. Distribuímos os homens por alguns povoados.  Era um projeto piloto que, baseado nos resultados com Dora e Lídia, tinha boas perspectivas de êxito. A notícia da gravidez delas, e a chegada dos homens foi suficiente para despertar a natureza feminina em algumas mulheres. Recebiam os homens com entusiasmo. Não escondiam a euforia e vinham abraçar os novos hóspedes. Outras, porém, ficavam distantes, mostrando-se indiferentes ou até enojadas com o delírio das colegas.  Áquilus e eu ficamos animados com os sinais de recuperação da natureza. O que prevíamos estava acontecendo com boa parte das mulheres. Isso era auspicioso. O caminho escolhido estava certo. Daqui para frente bastaria deixar a natureza agir.

CAPÍTULO XVIII

Voltamos diversas vezes ao território dos “selvagens” e recrutamos muitas levas para repovoar as aldeias. Em cada aldeia ficavam de cinco a dez homens. Eles mesmos organizavam seus grupos de acordo com suas preferencias, aptidões e compatibilidades. Essas levas eram recrutadas por Lácio e pelo meu escudeiro que foram levados de volta para a aldeia dos “selvagens” como reféns. Porém, como o escudeiro era um deles e Lácio representava nenhum perigo para a segurança devido a sua fragilidade física, foram liberados para recrutarem indivíduos voluntários para serem levados para as aldeias dos civilizados. Havia sempre muitos voluntários por que tinham a promessa de que lá fora teriam todo o espaço que quisessem, diferente da onde viviam, cujo território era exprimido entre a grande cadeia de montanhas e o oceano, e um cercado eletrônico os mantinha presos sem possibilidade de expansão. Ao contrário, o planeta que os esperava era enorme e vazio.   Preferencialmente vinham homens, mas também algumas mulheres faziam parte dos grupos.  Subiam a montanha e de lá eram transportados com a nave de transporte coletivo e distribuídos entre as aldeias.
 A notícia da chegada dos homens, e da gravidez de Dora e Lídia se espalhou rapidamente por todos os povoados graças à comunicação por telepatia. Então, uma verdadeira tragédia se abateu sobre a, quase já extinta, população de Orus. A sensação de inutilidade dos homens e também de muitas mulheres cuja natureza não fora sensibilizada fez com que uma onda de suicídios se espalhasse por todos os povoados. Retiravam-se para o alto-mar e lá optavam pela morte. A população de Orus ficou reduzida a uma pequena quantidade de mulheres, especialmente as mais jovens que estavam animadas com a perspectiva da maternidade e da volta à sua natureza de seres humanos.

 Essas atitudes de desespero me deixaram abalado. Até agora, tudo sempre indicava que o caminho escolhido era o correto. A chegada dos selvagens tumultuou a ordem na grande maioria das aldeias. Diante do quadro, muitos líderes aderiram ao suicídio. Outros eram depostos pelos selvagens que se envolviam em lutas ferrenhas disputando a liderança da aldeia.  Houve uma revolta generalizada, principalmente dos líderes que ainda se mantinham no poder. Senti-me culpado por essa tragédia. Áquilus convocou-os para uma conferência. Eu estava no banco dos réus. A milhares de Anos-luz distante da minha terra, eu estava sendo julgado. Diziam:
- Se a diversidade genética da nossa população já era reduzida imaginem agora! -E me encaravam com olhares ameaçadores.
-Veio com pose de salvador, mas vejam no que nos transformou! E ainda mais sendo invadidos por esses seres primitivos que vocês mesmos trouxeram para as nossas aldeias. Sem os cercados eletrônicos estamos totalmente desprotegidos sob a ameaça de toda a espécie de perigos. Na maioria das nossas aldeias os líderes foram depostos pelos “selvagens” e muitos deles aderiram ao suicídio. Outros foram trucidados pela violência daquela “gente primitiva”. Não há mais lei nem ordem nas nossas aldeias. Eles lutam entre si para ocupar as melhores terras. Em muitas aldeias há lutas ferozes disputando a liderança. Se antes éramos um povo sem motivação, sem perspectivas, agora estamos mergulhados no mais absoluto caos. Ninguém mais se entende! Não conhecemos seu idioma e eles não são capazes de se comunicar conosco por telepatia. Temos que assistir, de braços cruzados, o nosso fim. De que vale toda a nossa bagagem intelectual. Somos presas fáceis da sua força física.
Então Áquilus tomou a palavra:
- Sou responsável pela vinda desse terráqueo. Ele deixou seu planeta e tudo oque ele tinha por lá com o único objetivo de nos socorrer. As vossas acusações são levianas e injustas. Será que não são capazes de perceber o que está acontecendo? Duas das nossas mulheres estão grávidas! Já não dependemos de clones para a sobrevivência da nossa espécie! Isto é auspicioso! A nossa natureza está de volta! A humanidade em Orus tem uma perspectiva! Este homem veio nos mostrar o caminho da volta que havíamos perdido. Novamente podemos falar em futuro! Depois de agredirmos e, aparentemente, subjugarmos a nossa natureza durante séculos eis que ela está de volta para ocupar seu lugar. Ela até pode estar sendo cruel conosco, neste momento, mas é assim que ela age. Se, para salvar o tecido, tiver que sacrificar indivíduos ela o fará porque cada indivíduo somente tem significado em função do todo.
As palavras de Áquilus serenaram os ânimos dos líderes. Eles entenderam que a humanidade em Orus precisava passar por esse parto traumatizante.
 A maioria deles não voltou para suas aldeias. Muitos se refugiaram na floresta, porém indefesos e sem alimento não lhes restou alternativa. Para não sofrerem as dores de uma morte natural aderiram, também, ao suicídio.
Nas aldeias havia muitas casas disponíveis por causa dos suicídios coletivos. Os “selvagens” recrutados por Lácio e o escudeiro se instalaram nessas casas.
Para se alimentar não podiam usar os alimentos dos civilizados porque o organismo deles não estava acostumado com esses comprimidos e líquidos concentrados. As reservas que haviam trazido não daria para muito tempo e por isso começaram a procurar frutas, caça e tubérculos que a natureza oferecia. Além disso, passaram a cultivar as terras em torno dos povoados. Estavam felizes e animados com a disponibilidade de tanto espaço, mas, apesar disso, houve disputas ferrenhas pelas melhores terras.
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 Sem muita demora soube-se da gravidez de uma mulher num dos povoados. O acontecimento foi muito comemorado por Áquilus e, por isso, veio à minha casa para festejar a fausta notícia.
- Nunca duvidei que estivéssemos no caminho certo, disse, mas agora estou ainda mais convencido de que a humanidade em Orus terá um futuro.
Já se completavam os dias para Dora dar a luz. À medida que a gravidez avançava seu corpo ia se modificando de tal modo cada vez mais, lembrava uma mulher grávida terráquea. Seus traços femininos afloravam depois de ocultos durante séculos pelo véu da arrogância humana. A natureza desvendou todo o encanto escondido nela. Dora era bonita e eu a amava.
 A criança que nasceria era meu filho e seria o primeiro a nascer de forma natural em Orus depois de milhares de anos.
Em certos momentos, uma tristeza muito grande me acometia. Sabia que a minha missão estava chegando ao fim. Certamente, em breve, estaria partindo, de volta, para o meu planeta Terra. Ao mesmo tempo, estava feliz e orgulhoso e no meu coração experimentava uma sensação de dever cumprido.
O menino nasceu numa manhã linda de outono. Dora teve algumas dificuldades para dar à luz, porém, uma das mulheres que viera com os imigrantes era parteira e foi de extrema valia na hora do parto. Quando nasceu ele chorou muito. Sua aparência era um misto entre a minha e a dos oreamos.  A cabeça e o tórax eram mais desenvolvidos e os braços um pouco alongados. Na mão direita tinha três dedos e na esquerda, cinco. Talvez, se uma mãe, na terra, parisse um filho assim ficaria preocupada. Mas ele era um menino bonito e saudável. Era meu filho.
Tentamos ocultar o nascimento com medo de que algum tumulto pudesse prejudicar a mãe e o nascituro. Mas não teve jeito. Graças a telepatia a notícia correu o mundo. Muitas mulheres vieram para ver a criança. Viram também a gravidez de Lídia. Choravam, aplaudiam e pulavam. Estavam entusiasmadas com a perspectiva de serem, também, mães.
Certo dia, meu Escudeiro que, juntamente com Aquilus, recrutavam pessoal para repovoar as aldeias, se comunicou comigo por telepatia. Disse que houve uma revolta no território dos selvagens. Eram as mulheres que estavam descontentes. Os seus homens foram levados, quase todos, ao mundo dos civilizados. Ficaram, principalmente, velhos e crianças. Quando Rumbi percebeu a insatisfação juntou-se aos revoltosos. Organizou um grande exercito de mulheres e os poucos homens que ainda restavam, e estava subindo a montanha para atacar as aldeias dos civilizados. Disse que, numa noite, quando ele e Áquilus estavam na sua casa, um informante os avisou do que estava acontecendo.
- Consegui fugir, porém tive que deixar Áquilus para trás por que seria impossível levá-lo devido a sua dificuldade se locomover. Eu conhecia bem a trilha por isso não tive dificuldades para subir a montanha.
Quando ele chegou ao topo, onde a telepatia funciona, pode falar comigo. Disse que graças ao seu equipamento de transporte individual logo mais estaria na minha casa e então poderíamos conversar e organizar uma estratégia de defesa.
A primeira coisa que fez, ao chegar, foi abraçar Lídia. Emocionou-se ao vê-la já com a gravidez adiantada. Então Dora apareceu com o filho no colo. Ao vê-los, este homem rude e, aparentemente insensível, chorou. Depois de abraçar Dora ajoelhou diante de Lídia e recostou carinhosamente sua cabeça sobre a gravidez dela, e assim ficou por um longo tempo. Certamente a emoção o dominava. Lídia, também, estava tomada de emoção e as lágrimas lhe corriam pela face enquanto acariciava a cabeça do escudeiro. Ao vê-los assim tive, mais uma vez a convicção que a humanidade, em Orus, estava salva. Aquela cena indicava, claramente, que o rumo tomado nos levaria a salvação. Todas as minhas dúvidas esmoreceram diante daquele quadro. Era somente o começo, mas um começo vigoroso baseado na emoção daqueles dois seres. O que estava acontecendo era um símbolo da redenção e da natureza vigorosa se recompondo. Nada fora planejado friamente. A intuição havia recuperado a essência humana daquelas duas mulheres que estava adormecida há séculos. Assim age a natureza. Basta um cochilo da nossa insensatez para ela reocupar esse espaço e se recompor.
Áquilus enviou vários batedores que sobrevoavam o exército em marcha. Avançavam lentamente por que se locomoviam a pé. A notícia deixou os povoados ainda mais tumultuados e mais indivíduos, temendo serem massacrados, se suicidavam. A primeira aldeia atacada foi simplesmente arrasada. Nada escapou da fúria incontrolável daquela gente a não ser os selvagens que já habitavam a aldeia, e algumas mulheres orianas que eles conseguiram fossem poupadas. Tudo era um tumulto muito grande. Cada individuo procurava se apossar de alguma casa que sobrara da destruição e de objetos que eles nem faziam ideia para que serviam.
Depois da ocupação o exercito continuou sua marcha. O grande alvo era a central energética que controlava toda a alta tecnologia dos orianos.
Rumbi sabia que a destruição da Central tinha uma importância estratégica fundamental para se impor diante dos civilizados. Sabia que sem a tecnologia eles eram prezas fáceis. Não queria, porém, destruir a central. Somente desligá-la e se apoderar dela.
Orus estava mergulhado num caos total. O próprio exército de Rumbi estava esfacelado, pois cada indivíduo agia por conta própria e à medida que avançava ia perdendo adeptos que iam se alojando em abrigos e aldeias que encontravam pelo caminho. As reservas de alimentos estavam acabando e a comida nas aldeias não podia ser consumida, pois não estavam habituados com a alimentação sintética dos civilizados.
Rumbi, no entanto, reorganizou um pequeno grupo de homens fortes e experientes e partiu célere em direção a central.
Entao Lacius me chamou para a sua sala. Disse que estava preocupado com o rumo dos acontecimentos. Se a central fosse destruída jamais eu poderia voltar para a terra. Disse que era imperioso providenciar imediatamente a minha volta. Uma aflição muito grande se apoderou de mim. Abandonar a missão neste momento quando o caminho estava delineado? Havia um filho! Havia Dora, Lídia e o Escudeiro! A ideia de abandoná-los me deixava agoniado. Eu estava tão envolvido nesta história que não conseguia admitir a ideia de deixar tudo para trás.  Por outro lado tinha a plena consciência de ter cumprido com a missão que me fora confiada. Lacius me disse que entendia o meu estado emocional, mas que, neste momento, deveria agir com a razão. Que toda a experiência que tive em Orus deveria servir para alguma coisa na terra. Que a minha missão em Orus estava concluída, mas tinha responsabilidades na terra. Que a historia de Orus precisava ser contada para que a humanidade na terra não seguisse os mesmos rumos. Se não partisse imediatamente ninguém poderia fazer isso por mim.
Lídia, o Escudeiro e Dora com o nosso filho no cola me esperavam na antessala para a despedida. Lacius os preparara para este momento difícil. Apesar da grande tristeza todos sabíamos que era inevitável que eu partisse. A despedida foi um momento rápido porque não havia tempo a perder. Rumbi se aproximava rapidamente da central. Não encontraria resistência e a fúria incontrolada desses homens rudes destruiria a central quando chegassem. Abracei Dora e o meu filho e sem olhar para traz embarquei na nave que há cinco anos me trouxera a Orus.
Quando a porta se abriu desci da nave. Em seguida elevou-se vagarosamente até uma altura de uns dois metros e repentinamente desapareceu. Eu estava em frente a minha casa, imóvel sem saber oque pensar e oque fazer. Sai do transe quando o meu vizinha me cutucou pelas costas.
- Viste aquilo? Perguntei.
- O carro? Vi ele estacionado no teu pátio, mas não o vi saindo. Quem eram? Por onde andaste durante esse tempo todo. Tentei formular uma frase para lhe dar uma resposta, mas nada me ocorreu que pudesse fazer sentido. Disse que estava cansado e que precisava de uns dias de repouso.

CAPITULO  XIX
Entrei na minha casa. Tudo esta limpo e em ordem. Uma mulher, minha vizinha cuidou da casa durante o tempo da minha ausência.
Fui atender a porta. Era a minha vizinha:
- Ficamos preocupados com o teu sumiço! Por onde andaste esse tempo todo?
Pedi que falasse para ninguém do meu retorno. Que eu estava bem, somente um pouco cansado. Que amanhã conversaríamos. Vi que estava preocupada comigo. Queria saber mais. Mas enfim atendeu o meu pedido e me deixou sozinho.
Aquilo tudo era tão extraordinário que passei a duvidar da minha própria história. Tentei um contato com Dora, mas o meu estado de incredulidade estava impedindo a telepatia. Precisava me acalmar. Depois de um grande esforço de concentração consegui me contatar com Dora. Disse que estava tudo bem com ela e o pequeno Wilam. Que o Meu Escudeiro e Lidia estavam cuidando dela e do filho. Disse que estava muito aflita, mas que entendia a minha volta para a terra como inevitável. Disse que os selvagens estavam avançando rapidamente em direção à central e que a qualquer momento a comunicação poderia interromper-se. Então, chorando de emoção, disse que apesar da grande tristeza seu coração estava radiante de felicidade. Ela estava, novamente, grávida. Nisso interrompeu-se a comunicação. Durante a noite e nos dias seguintes tentei várias vezes um novo contato. Nada mais consegui. Com certeza os selvagens haviam destruído a central. Estava deixando para sempre o Planeta Orus. Tudo agora virou história.