segunda-feira, 8 de junho de 2015

HÉRCULES

Só de uma coisa não gostava. Botaram-lhe, no pescoço, uma coleira.

Foi parido num dia frio e chuvoso de inverno por uma cadela de rua
 que revirava as latas de lixo

 Seu novo lar era uma pequena propriedade rural onde ele tinha espaço para
 correr e desenvolver todas as suas potencialidades.



HÉRCULES
Ele era preto como a noite. Foi parido num dia frio e chuvoso de inverno por uma cadela de rua que revirava as latas de lixo a procura de algo para comer. Juntamente com ele nasceram mais três irmãozinhos que, no entanto, não sobreviveram devido ao rigor do inverno daquele ano.

Quando Miguel abriu a porta para descer do carro um filhote de cachorro saltou para dentro e se escondeu debaixo do banco. O pai de Miguel, às vezes, vinha para a cidade e naquele dia levou o filho, de nove anos, para passar uns dias na casa de um primo.
O pai tentou tirar o filhote de dentro do carro mas Miguel, usando todos os argumentos do seu repertório, conseguiu convencer o pai a levar o cachorrinho para casa e adotá-lo.
Hércules, este foi o nome que o menino escolheu, logo se adaptou a nova morada e cresceu forte e saudável. Seu novo lar era uma pequena propriedade rural onde ele tinha espaço para correr e desenvolver todas as suas potencialidades. Corria atrás de preás, caçava camundongos e pegava peixes num rio que tinha na propriedade e ia junto para a roça. Sua vida faria inveja a qualquer cachorro.
Só de uma coisa não gostava; botaram-lhe, no pescoço, uma coleira. Acontece que às vezes ele tinha que ser amarrado para não estragar alguma plantação ou, principalmente, quando uma cadela na vizinhança entrava em cio. Então, toda a cachorrada comparecia e a disputa pela cadela era acirrada. Várias vezes, Hércules voltou para casa todo esfolado.
Quando Miguel soube que uma cadela estava em cio, pegou o cachorro e o amarrou no para-choque do carro. A vovó, sentada no seu quarto, da janela observava toda a movimentação, quando viu o pai embarcar no carro. Imaginando o que estava prestes a acontecer, ainda, gritou mas ninguém ouviu seus apelos. No início Hércules conseguia acompanhar, mas logo o carro imprimiu velocidade e o coitado foi sendo levado de arrasto estrada afora. A vovó, desesperada, correu para o telefone e ligou para o vizinho que conseguiu parar o carro. Quando foram ver, só encontraram mais a corda.

De noite Hércules voltou para casa todo esfolado mas não sem antes passar na casa da cadela em cio. Soube-se, mais tarde, que naquela noite ele ganhou o coração dela, não se sabe se por merecimento ou por pena porque quando nasceram os filhotes, vários deles nasceram com a cara, ou melhor, com o focinho dele.  Hércules se recuperou do trauma e viveu, ainda, por muitos anos tempo suficiente para conhecer e curtir seus filhotes e netinhos.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário