terça-feira, 2 de julho de 2013

CARNEANDO UM PORCO








   

                                       
                                                    Fizemos linguiça, toicinho, torresmo, banha, morcilia...

    
Que coisa maravilhosa é ver o sol nascer aqui na roça!
Lá o sol nasce atrás de um edifício.
Ela mesma foi chamar meus dois irmãos mais velhos
 para tirarem o porco do chiqueiro




CARNEANDO UM PORCO


Um dos momentos que Tia Clara nunca perdia era quando carneávamos um porco.  Sempre que ficava sabendo, dava um jeito de vir.
Papai não gostava dela.
-Ela mete o nariz em tudo. Ora, que fique lá na cidade! Lá ela pode fazer o que quiser, mas que não venha dar ordens por aqui.
Já no dia anterior, o ônibus parou na frente de nossa casa e ela desembarcou. O pai tinha seus motivos para não gostar dela, mas nós, gurizada, adorávamos a Tia. Sempre trazia presentes para nós, coisas da cidade. Uma vez, ao descer do ônibus, veio com uma caixa enorme. Era uma bicicleta encaixotada. Naquele dia papai não ficou brabo. Até ajudou a montar a bicicleta, por que dessas coisas a Tia não entendia.
Ela foi dormir cedo.
- Precisamos madrugar amanhã de manhã.
Bem antes do sol nascer, ela já estava fazendo fogo para esquentar a água para escaldar o porco. O taxo com a água estava em cima de um tripé de ferro que ela mesma mandara fazer.
- É uma vergonha empilhar três montinhos de tijolos, dizia.
- Que coisa maravilhosa é ver o sol nascer aqui na roça, comentou ela com papai. Lá o sol nasce atrás de um edifício.
Ela mesma foi chamar meus dois irmãos mais velhos para tirarem o porco do chiqueiro e esfaqueá-lo. Este era o único momento que a tia não encarava com naturalidade. Procurava alguma coisa para fazer longe daí e só voltava quando o porco estivesse morto. Porém sempre entregava uma vasilha para papai recolher o sangue e depois fazer o “Plud woscht”. Quando ela voltou viu que o sangue não estava na vasilha. Papai esquecera-se de recolhê-lo. Este foi o motivo da primeira desavença do dia entre papai e Tia Clara. Quando os ânimos ficaram exagerados pedi para minha mãe intervir.
- Eles são irmãos. Que se entendam, disse mamãe.
O resto do dia transcorreu em relativa paz. Somente algumas palavras ríspidas entre meu pai e a Tia.

Fizemos linguiça, toicinho, torresmo, banha, morcilia e schweine prode. Os quatro pés e as orelhas Tia Clara preparou para levar para casa. Levou também duas lingüiças e uma cuca que a mãe fizera. Tia Clara se despediu de todos e no pai deu um abraço sem dizer uma só palavra e embarcou no ônibus. Quando olhei para papai vi uma lágrima lhe rolar pela face. Apesar de tudo, ele amava a Tia.                                                                                       

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