Fizemos linguiça, toicinho, torresmo, banha, morcilia... |
Que coisa maravilhosa é ver o sol nascer aqui na roça! |
Lá o sol nasce atrás de um edifício. |
Ela mesma foi chamar meus dois irmãos mais velhos para tirarem o porco do chiqueiro |
CARNEANDO UM PORCO
Um dos momentos que Tia Clara nunca perdia era quando
carneávamos um porco. Sempre que ficava sabendo,
dava um jeito de vir.
Papai não gostava dela.
-Ela mete o
nariz em tudo. Ora, que fique lá na cidade! Lá ela pode fazer o que quiser, mas
que não venha dar ordens por aqui.
Já no dia
anterior, o ônibus parou na frente de nossa casa e ela desembarcou. O pai tinha
seus motivos para não gostar dela, mas nós, gurizada, adorávamos a Tia. Sempre
trazia presentes para nós, coisas da cidade. Uma vez, ao descer do ônibus, veio
com uma caixa enorme. Era uma bicicleta encaixotada. Naquele dia papai não
ficou brabo. Até ajudou a montar a bicicleta, por que dessas coisas a Tia não
entendia.
Ela foi dormir cedo.
- Precisamos
madrugar amanhã de manhã.
Bem antes do sol
nascer, ela já estava fazendo fogo para esquentar a água para escaldar o porco.
O taxo com a água estava em cima de um tripé de ferro que ela mesma mandara
fazer.
- É uma vergonha
empilhar três montinhos de tijolos, dizia.
- Que coisa
maravilhosa é ver o sol nascer aqui na roça, comentou ela com papai. Lá o sol
nasce atrás de um edifício.
Ela mesma foi
chamar meus dois irmãos mais velhos para tirarem o porco do chiqueiro e
esfaqueá-lo. Este era o único momento que a tia não encarava com naturalidade.
Procurava alguma coisa para fazer longe daí e só voltava quando o porco
estivesse morto. Porém sempre entregava uma vasilha para papai recolher o
sangue e depois fazer o “Plud woscht”. Quando ela voltou viu que o sangue não estava na
vasilha. Papai esquecera-se de recolhê-lo. Este foi o motivo da primeira
desavença do dia entre papai e Tia Clara. Quando os ânimos ficaram exagerados
pedi para minha mãe intervir.
- Eles são
irmãos. Que se entendam, disse mamãe.
O resto do dia
transcorreu em relativa paz. Somente algumas palavras ríspidas entre meu pai e
a Tia.
Fizemos linguiça,
toicinho, torresmo, banha, morcilia e schweine prode. Os quatro pés e as orelhas Tia Clara preparou para
levar para casa. Levou também duas lingüiças e uma cuca que a mãe fizera. Tia
Clara se despediu de todos e no pai deu um abraço sem dizer uma só palavra e
embarcou no ônibus. Quando olhei para papai vi uma lágrima lhe rolar pela face.
Apesar de tudo, ele amava a Tia.
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