segunda-feira, 29 de novembro de 2021

MUTI, minha irmã Norma


 

 

MUTI, minha irmã Norma

 

Minha irmã Norma Maria Hentz Royer faleceu neste dia 11 de novembro de 2021

Quando eu nasci, ela tinha 10 anos. Naquele tempo, os casais, via de regra, tinham muitos filhos e então os mais velhos cuidavam dos mais novos que vinham chegando. Eu tive a felicidade de ter Norma como minha cuidadora. Devo muito a ela. Cuidava de mim, me punha a dormir, e dava banho. Me ensinou orações e poesias. Lembro, especialmente, deste versinho:

 - “Sou pequeno ainda, mas tenho um grande coração, gosto muito da escola, amo a Deus e a nação”.

Quando releio este verso lembro da entonação de voz com algum sotaque característico salientando as palavras mais significativas

 Os sobrinhos e os íntimos chamavam-na de Muti. Para mim, especialmente, ela foi uma mãe, verdadeiramente uma Muti. Tinha um coração enorme, e tratava a todos com carinho.

Houve, certa vez, um encontro familiar. Era final de primavera. Quem mora no interior, certamente já viu, nesta época, um ou dois passarinhos pretos piando atrás de um tico-tico. São filhotes de chupim pedindo comida.

 A má fama desse passarinho é notória.

O chupim, para chocar seus ovos e criar dos filhotes, procura, ninhos de tico-tico. Então destrói os ovos dele e no lugar, põem os seus, para serem chocados. Essa atitude deu ao chupim fama de preguiçoso, explorador, desalmado e parasita, e por isso é xingado e condenado por todos.

Foi isso o que aconteceu quando toda a família estava sentada na sombra de um frondoso cinamomo.  Dois filhotes de chupim, com o dobro do tamanho, perseguiam o tico-tico pedindo comida. O coitado, quando encontrava um petisco, alimentava ora um ora outro. Obviamente, o chupim era o assunto, e o “vira-bosta” ou“Keilsreiter”, como também é conhecido, estava no banco dos réus. Só havia advogados de acusação. Todos viam, no “vira-bosta”, motivo de condenação, e a sentença de morte foi proferida por uma Tia que veio de São Pedro ao dizer que um passarinho assim não merecia viver.

Quando todos os impropérios possíveis já haviam sido proferidos contra o réu, fez se um momentâneo silencio. Foi aí que Norma, que estava em silêncio até agora, disse:

- Com certeza o tico-tico é um passarinho que vai para o céu.

Fez-se, então, um silêncio. A frase de Norma caiu sobre o mar de acusações como um balde de água fria sobre a fervura. Cada um dos acusadores começou a repensar suas posições.

Tio Ignácio, que veio também de São Pedro, com ares de filósofo declarou:

-Não sabemos por que o tico-tico se sujeita a essa exploração.  Será uma dívida com o chupim? Ou, quem sabe, um simples ato de amor? Não sabemos.

Norma tinha três paixões:

 Os passarinhos, as flores e as crianças.

 Durante sua vida conviveu intensamente com suas paixões. Teve dez filhos, morou em meio à natureza onde tinha a companhia dos passarinhos, e ajudada pelo seu marido, tinha sempre o pátio e o jardim floridos com muitas e lindas flores.

 Norma não foi doutora em teologia, nunca foi professora e nem catequista, mas com sua simplicidade e sabedoria, foi capaz de nos legar preciosidades como esta.

 

 

 

 

sábado, 6 de novembro de 2021

NADO, mais uma aventura

Leonardo se encantou com a donzela.        

 

 

NADO, mais uma aventura

 

Leonardo é filho de Nelsido Käfer e Renoria Käfer Royer que além dele, tiveram mais seis filhos dos quais, três falecidos.  Nado, este era seu apelido, carregava sobre os ombros a responsabilidade de ser o único filho homem.

 Quando Nado atingiu a maior idade, decidiu que a roça não seria seu futuro. Não sabia ao certo o que queria, mas sabia, com certeza, o que não queria. Tentou a Tramontina, foi cuidar dos porcos de um primo e tentou outros empregos, mas nada do que experimentou satisfez o rapaz.

 Então resolveu tentar Porto Alegre. Enquanto procurava alguma coisa, se hospedou na casa de um primo que já morava por lá.

Leonardo era um rapaz inteligente e trabalhador, mas muito ingênuo. Se criou na roça e nada conhecia além do pequeno mundo do interior. Os jovens de hoje, graças a internet e televisão, sabem tudo sobre a cidade, mas no tempo de Nado não era assim.

Certo dia o primo convidou Leonardo para assistirem a um Grenal. Como nunca tinha ido a um estádio de futebol, e como o primo se dispôs a pagar o ingresso, não teve dúvidas.

A fila na bilheteria era enorme. O primo deu o dinheiro para comprar os ingressos enquanto ele foi aí numa banca comprar dois bonés do time favorito. Bem na sua frente, também na fila do ingresso, estava uma garota. Leonardo se encantou com a donzela. Lá no interior não tinha mocinhas lindas como ela.

- Lá, elas não têm os recursos para se embelezar como as da cidade, pensou ele lá com seus botões.

 Um anjo caído do céu e agora bem aí na sua frente também querendo comprar ingresso.

Até teve vontade de iniciar um papo, mas o que ele tinha para dizer para ela? Falaria sobre a roça, tirar leite, cortar pasto? Nem falar direito ele sabia. Com certeza até iria debochar do seu sotaque.

A fila não andava, mas isso não o incomodava, pois se deliciava vendo aquele bumbum inspirador aí na sua frente.

 Como não tinha coragem de puxar uma conversa, deu liberdade a imaginação. Pegou-a pela mão e os dois saíram a passear. Visitaram lugares lindos, conversaram e riram. Aos poucos sua imaginação ficou mais atrevida. Acariciou a mão dela e chamou-a de amorzinho, só que aí aconteceu: no exato instante em que ia beijar a menina, ela se virou, e desferiu-lhe um tapa na cara. Chamou-o de tarado, imbecil e de um monte de coisas que ele nem sabia o significado. O rapaz ficou estupefato, perplexo. O que teria acontecido, para ela ter essa atitude inesperada e tão agressiva? E ficou matutando:

- Será que ela foi capaz de ler meus pensamentos? Como ela podia saber o que estava se passando na minha imaginação? E bem na hora em que eu ia beijá-la! Será que essas garotas da cidade também aprenderam a ler pensamento?

 

De noite, em casa, tudo ficou esclarecido. Nado contou o que tinha acontecido.

- Fui eu, disse o primo soltando uma gostosa gargalhada.

O primo malandro, disfarçadamente, passou a mão no bumbum da menina e Nado levou a culpa sem saber, ao menos, o que tinha acontecido.

Leonardo chegou a Porto Alegre um rapaz inocente, mas logo aprendeu, e se habituou à vida da cidade. Mas o que, realmente, fez a diferença na sua vida foi o que aprendeu em casa, no seio da família: os princípios da honradez, disciplina, honestidade e do amor pelo trabalho. Saiu de casa cedo, mas levou consigo uma herança valiosa que faz dele este homem valoroso que é hoje.

 Leonardo Käfer é um vencedor, um homem de bem.