MUTI, minha irmã Norma
Minha irmã Norma Maria Hentz Royer faleceu neste dia 11 de novembro de 2021
Quando eu nasci, ela tinha 10 anos. Naquele tempo, os casais, via de regra, tinham muitos filhos e então os mais velhos cuidavam dos mais novos que vinham chegando. Eu tive a felicidade de ter Norma como minha cuidadora. Devo muito a ela. Cuidava de mim, me punha a dormir, e dava banho. Me ensinou orações e poesias. Lembro, especialmente, deste versinho:
- “Sou pequeno ainda, mas tenho um grande coração, gosto muito da escola, amo a Deus e a nação”.
Quando releio este verso lembro da entonação de voz com algum sotaque característico salientando as palavras mais significativas
Os sobrinhos e os íntimos chamavam-na de Muti. Para mim, especialmente, ela foi uma mãe, verdadeiramente uma Muti. Tinha um coração enorme, e tratava a todos com carinho.
Houve, certa vez, um encontro familiar. Era final de primavera. Quem mora no interior, certamente já viu, nesta época, um ou dois passarinhos pretos piando atrás de um tico-tico. São filhotes de chupim pedindo comida.
A má fama desse passarinho é notória.
O chupim, para chocar seus ovos e criar dos filhotes, procura, ninhos de tico-tico. Então destrói os ovos dele e no lugar, põem os seus, para serem chocados. Essa atitude deu ao chupim fama de preguiçoso, explorador, desalmado e parasita, e por isso é xingado e condenado por todos.
Foi isso o que aconteceu quando toda a família estava sentada na sombra de um frondoso cinamomo. Dois filhotes de chupim, com o dobro do tamanho, perseguiam o tico-tico pedindo comida. O coitado, quando encontrava um petisco, alimentava ora um ora outro. Obviamente, o chupim era o assunto, e o “vira-bosta” ou“Keilsreiter”, como também é conhecido, estava no banco dos réus. Só havia advogados de acusação. Todos viam, no “vira-bosta”, motivo de condenação, e a sentença de morte foi proferida por uma Tia que veio de São Pedro ao dizer que um passarinho assim não merecia viver.
Quando todos os impropérios possíveis já haviam sido proferidos contra o réu, fez se um momentâneo silencio. Foi aí que Norma, que estava em silêncio até agora, disse:
- Com certeza o tico-tico é um passarinho que vai para o céu.
Fez-se, então, um silêncio. A frase de Norma caiu sobre o mar de acusações como um balde de água fria sobre a fervura. Cada um dos acusadores começou a repensar suas posições.
Tio Ignácio, que veio também de São Pedro, com ares de filósofo declarou:
-Não sabemos por que o tico-tico se sujeita a essa exploração. Será uma dívida com o chupim? Ou, quem sabe, um simples ato de amor? Não sabemos.
Norma tinha três paixões:
Os passarinhos, as flores e as crianças.
Durante sua vida conviveu intensamente com suas paixões. Teve dez filhos, morou em meio à natureza onde tinha a companhia dos passarinhos, e ajudada pelo seu marido, tinha sempre o pátio e o jardim floridos com muitas e lindas flores.
Norma não foi doutora em teologia, nunca foi professora e nem catequista, mas com sua simplicidade e sabedoria, foi capaz de nos legar preciosidades como esta.