domingo, 5 de abril de 2020

OS LINDOS DIAS DA INFANCIA DE OTTILIA III Uma visita especial

Otilia Vogt Hentz
O cavalo era gordo e pela aparência devia ser um animal bem cuidado, tratado a milho e mandioca














OS LINDOS DIAS DA INFANCIA DE OTTILIA III


Uma visita especial


Era sábado, já quase meio dia, e o grupinho de alunos de Morgens Land estava voltando da aula. Ao chegar em casa, a menina Ottilia viu um cavalo estranho pastando no potreiro. Logo se lembrou do fogo crepitando quando, de manhã, papai, mamãe e Cecilia tomavam chimarrão.  O cavalo era gordo e pela aparência devia ser um animal bem cuidado, tratado a milho e mandioca. O coração da menina foi invadido por uma grande alegria porque, há dias, era esperada a visita do tio Florian Rockenbach, irmão de sua mãe e seu padrinho. Ottilia não tinha mais dúvidas. Alguém tinha vindo passear e se fosse o padrinho Florian ela teria um domingo abençoado e maravilhoso.  Separou-se do grupo e foi correndo para casa. Ao entrar pela porta viu o dindo conversando com papai e mamãe. Quando se viram o Tio levantou e foi abraçar a pequena afilhada que não sabia o que dizer de tanta alegria. Os outros dois irmãos, que também voltaram da aula, também foram abraçar o tio Florian. Tudo naquela casa era alegria. Afinal, o tio mais querido tinha vindo passear. A mãe preparou um almoço especial em homenagem ao tio. Fez um assado de porco, batata cozida, massa e   couve com molho branco (sohs kraut) pois, mãe sabia que o tio adorava. Até sobremesa teve. Era um doce de laranja e sagu de vinho. Para beber foi servido “Spritz bier” bebida feita a partir da fermentação do gengibre; uma espécie de refrigerante.
Florian era o irmão mais novo da sua mãe e era, também, seu padrinho. Ele era um homem elegante, caprichoso, culto e educado. Por ser o filho mais novo da família sempre teve as melhores oportunidades e pode ir à aula dois anos mais que os outros. Talvez, por isso, saiu de casa e aprendeu o ofício de ferreiro o que lhe dava um status mais elevado que as pessoas comuns que eram apenas agricultores. Otilia teve a sorte de tê-lo como padrinho. Ele sabia falar sobre muitas coisas. Morava em Badenserthal na casa do vô, José Pedro Rockenbach e da vó Margarida Schäfer.
De noite, muita gente se reuniu na casa dos Vogt. Vieram os Butzen, os Gräf e toda família Berwiang. Todos gostavam de ouvir o tio contar as histórias que ele ficava sabendo nas suas viagens.
 Florian conhecia muitos lugares e pessoas. Sabia falar o português o que lhe permitia viajar e conversar com muita gente. Várias vezes esteve em São Leopoldo, conhecia Porto Alegre e também já estivera na serra onde os colonos italianos estavam se instalando: Nova Milano, Campo dos Bugres e na colônia Santa Isabel. Conheceu vários imigrantes italianos e disse que eles, também, eram gente boa. Em geral tinham costumes diferentes dos nossos, mas eram corretos nos negócios e muito trabalhadores.
 Então a pequena Otília se meteu na conversa e disse que já ouviu falar que os italianos não eram boa gente. Disse que nunca viu um italiano e que nem queria ver porque tinha medo deles. Então o pai dela repreendeu-a:
- Criança não se mete na conversa dos adultos!
 Florian defendeu a menina e lhe deu um elogio porque era a única que estava aí escutando enquanto as outras crianças brincavam no pátio. Porém, disse o tio, que ela estava errada no seu julgamento a respeito dos italianos. A pequena Otilia se calou, mas seu olhar deixou transparecer que ela não estava convencida da inocência dos italianos.  Então Florian disse que eles são pessoas iguais a nós. Existe, entre eles, gente boa e gente ruim como em qualquer lugar. Verdade, disse ele, que lá em Santa Juliana aconteceu um crime. Um tal de Mansueto Gamba foi morto a marteladas e até agora o crime não estava bem esclarecido. Alguns diziam que foi briga de vizinho. O delegado Pasúbio estava investigando o caso e o grande mistério era o desaparecimento da arma do crime que segundo ele era um martelo. Contaram também uma história de traição numa família onde um homem ficou com a mulher do outro e fugiu com ela para longe. Bem mais tarde encontraram o casal morando aí perto, em Campo dos Bugres.
- Viu! Disse de novo a pequena. Viu como não prestam! 
- Não podemos julgar um povo todo por causa da atitude de um desequilibrado. Essas coisas acontecem em qualquer sociedade.
-Mas aqui em Morgens Land, onde só moram alemães, nada disso acontece.
Diante da insistência e dos argumentos da pequena todos tiveram que achar graça. Então Florian viu que seus argumentos não convenciam a pequena e para concluir disse:
- Um dia a vida te ensinará o que não consegues entender agora com os meus argumentos.
 Otilia não entendeu bem o significado dessa frase, mas já que fora o Tio Florian quem a disse então deve ser a verdade.
 Neste momento a mãe da Otilia, a Margarida Rockenbach, disse que já era hora de ir dormir. Ottilia reclamou, mas não teve jeito. Antes de ir para o quarto Florian pediu para a menina abrir o avental que ela ainda vestia, pois tinha lavado toda a louça da janta, tirou do bolso duas mãozadas de balas e disse:
-Amanhã reparte tudo com os teus irmãos.



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