Otilia Vogt Hentz |
O cavalo era gordo e pela
aparência devia ser um animal bem cuidado, tratado a milho e mandioca |
OS LINDOS
DIAS DA INFANCIA DE OTTILIA III
Uma visita
especial
Era sábado, já quase
meio dia, e o grupinho de alunos de Morgens Land estava voltando da aula. Ao
chegar em casa, a menina Ottilia viu um cavalo estranho pastando no potreiro. Logo
se lembrou do fogo crepitando quando, de manhã, papai, mamãe e Cecilia tomavam
chimarrão. O cavalo era gordo e pela
aparência devia ser um animal bem cuidado, tratado a milho e mandioca. O
coração da menina foi invadido por uma grande alegria porque, há dias, era
esperada a visita do tio Florian Rockenbach, irmão de sua mãe e seu padrinho. Ottilia
não tinha mais dúvidas. Alguém tinha vindo passear e se fosse o padrinho
Florian ela teria um domingo abençoado e maravilhoso. Separou-se do grupo e foi correndo para casa.
Ao entrar pela porta viu o dindo conversando com papai e mamãe. Quando se viram
o Tio levantou e foi abraçar a pequena afilhada que não sabia o que dizer de
tanta alegria. Os outros dois irmãos, que também voltaram da aula, também foram
abraçar o tio Florian. Tudo naquela casa era alegria. Afinal, o tio mais
querido tinha vindo passear. A mãe preparou um almoço especial em homenagem ao
tio. Fez um assado de porco, batata cozida, massa e couve
com molho branco (sohs kraut) pois, mãe sabia que o tio adorava. Até sobremesa
teve. Era um doce de laranja e sagu de vinho. Para beber foi servido “Spritz bier” bebida feita a partir da
fermentação do gengibre; uma espécie de refrigerante.
Florian era o irmão mais
novo da sua mãe e era, também, seu padrinho. Ele era um homem elegante,
caprichoso, culto e educado. Por ser o filho mais novo da família sempre teve
as melhores oportunidades e pode ir à aula dois anos mais que os outros.
Talvez, por isso, saiu de casa e aprendeu o ofício de ferreiro o que lhe dava
um status mais elevado que as pessoas comuns que eram apenas agricultores.
Otilia teve a sorte de tê-lo como padrinho. Ele sabia falar sobre muitas
coisas. Morava em Badenserthal na casa do vô, José Pedro Rockenbach e da vó
Margarida Schäfer.
De noite, muita gente se
reuniu na casa dos Vogt. Vieram os Butzen, os Gräf e toda família Berwiang. Todos
gostavam de ouvir o tio contar as histórias que ele ficava sabendo nas suas
viagens.
Florian conhecia muitos lugares e pessoas.
Sabia falar o português o que lhe permitia viajar e conversar com muita gente.
Várias vezes esteve em
São Leopoldo, conhecia Porto Alegre e também já estivera na
serra onde os colonos italianos estavam se instalando: Nova Milano, Campo dos
Bugres e na colônia Santa Isabel. Conheceu vários imigrantes italianos e disse
que eles, também, eram gente boa. Em geral tinham costumes diferentes dos
nossos, mas eram corretos nos negócios e muito trabalhadores.
Então a pequena Otília se meteu na conversa e
disse que já ouviu falar que os italianos não eram boa gente. Disse que nunca
viu um italiano e que nem queria ver porque tinha medo deles. Então o pai dela
repreendeu-a:
- Criança não se mete na
conversa dos adultos!
Florian defendeu a menina e lhe deu um elogio
porque era a única que estava aí escutando enquanto as outras crianças
brincavam no pátio. Porém, disse o tio, que ela estava errada no seu julgamento
a respeito dos italianos. A pequena Otilia se calou, mas seu olhar deixou
transparecer que ela não estava convencida da inocência dos italianos. Então Florian disse que eles são pessoas
iguais a nós. Existe, entre eles, gente boa e gente ruim como em qualquer
lugar. Verdade, disse ele, que lá em Santa Juliana aconteceu um crime. Um tal
de Mansueto Gamba foi morto a marteladas e até agora o crime não estava bem
esclarecido. Alguns diziam que foi briga de vizinho. O delegado Pasúbio estava
investigando o caso e o grande mistério era o desaparecimento da arma do crime
que segundo ele era um martelo. Contaram também uma história de traição numa
família onde um homem ficou com a mulher do outro e fugiu com ela para longe.
Bem mais tarde encontraram o casal morando aí perto, em Campo dos Bugres.
- Viu! Disse de novo a
pequena. Viu como não prestam!
- Não podemos julgar um
povo todo por causa da atitude de um desequilibrado. Essas coisas acontecem em
qualquer sociedade.
-Mas aqui em Morgens
Land, onde só moram alemães, nada disso acontece.
Diante da insistência e
dos argumentos da pequena todos tiveram que achar graça. Então Florian viu que
seus argumentos não convenciam a pequena e para concluir disse:
- Um dia a vida te
ensinará o que não consegues entender agora com os meus argumentos.
Otilia não entendeu bem o significado dessa
frase, mas já que fora o Tio Florian quem a disse então deve ser a verdade.
Neste momento a mãe da Otilia, a Margarida
Rockenbach, disse que já era hora de ir dormir. Ottilia reclamou, mas não teve
jeito. Antes de ir para o quarto Florian pediu para a menina abrir o avental que
ela ainda vestia, pois tinha lavado toda a louça da janta, tirou do bolso duas
mãozadas de balas e disse:
-Amanhã reparte tudo com
os teus irmãos.
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