domingo, 29 de janeiro de 2012

A LENDA DAS TRÊS FERRADURAS









                                               A LENDA DAS TRÊS FERRADURAS 

Certa noite, há muitos anos, meu irmão mais velho disse ter visto um fantasma. Quando foi soltar as vacas que estavam presas na estrebaria, viu uma bola de luz azulada pairando sobre o nosso banhado. Meu pai não deu importância ao fato e disse que o Schwartz Monuel, um negro corcunda que fazia taipas por aqui, dizia que isso acontece em banhados onde tem ferraduras enterradas.
Essa história ficou esquecida até que, bem mais tarde, quando eu já era um jovem rapaz, vi, pessoalmente, a assombração. Foi numa noite escura de verão, quando eu caminhava por uma estrada próxima àquele banhado, que vi essa mesma bola de luz pairando a dois metros de altura. Assustei-me no princípio, mas a curiosidade venceu o medo. Pulei a taipa que delimitava o potreiro e me aproximei do fenômeno. Não era uma, mas três bolas, uma menor, e pairavam sobre o banhado. Repentinamente, mergulhavam no terreno lamacento em pontos distintos e em seguida ressurgiam.
A pesar de respeitar a sabedoria popular que, em geral, encerra muita filosofia, sou cético em relação a fatos extraordinários. Custo acreditar em milagres, crendices, fantasmas, magias, forças do além e etc. Porém, o nosso folclore está cheio dessas crenças que se fôssemos citá-las encheríamos várias páginas de um livro. Acreditamos no poder da arruda, no “treze” como o número do azar, não passamos por debaixo de uma escada, colhemos o chá de macela na Sexta Feira Santa antes do nascer do sol, e assim por diante.  Acho que a maioria das coisas “extraordinárias” que acontecem em nosso entorno não resistem a uma investigação séria.
Mas aquelas luzes intrigantes, a toda hora, emergiam na minha memória até que fui procurar no Google uma explicação que pudesse me satisfazer. Dizem os adeptos da internet que lá se encontra tudo. Achei o seguinte:(Fogo-fátuo (ignis fatuus em latim), também chamado de Fogo tolo ou, no interior do Brasil, Fogo corredor ou João-galafoice, é uma luz azulada que pode ser avistada em pântanos, brejos etc. É a inflamação espontânea do gás dos pântanos (metano), resultante da decomposição de seres vivos.)
Essa é a explicação científica. No entanto, a versão do negro corcunda não me saia da cabeça. Estaria enterrada uma ferradura aí no banhado? Ou talvez três? Porque eram três bolotas de luz duas maiores e uma menor.
Há alguns dias, o Eitor, que é o atual proprietário, resolveu fazer daquele banhado um açude. Duas máquinas trabalharam vários dias e removeram centenas de metros cúbicos de lama. Então ele veio me contar que achou uma ferradura em meio aquela lama toda. Logo me lembrei das três bolas de luz, da história do meu irmão e do negro corcunda. Mas alguma coisa não estava batendo. Eram três luzes e uma ferradura.
 Pasmem os prezados leitores que dois dias depois o Eitor me perguntou se, antigamente, tínhamos um filhote de cavalo no nosso potreiro, pois tinha achado mais duas ferraduras e uma delas bem menor. Senti um calafrio perpassar o meu corpo. Será que a versão do negro corcunda tinha algum fundamento? Tudo se encaixava perfeitamente, a não ser um pequeno detalhe: a origem da ferradura menor. Filhote de cavalo, como supunha o Eitor, não usa ferradura. Então os mais antigos me disseram que, uma vez, o Padre Alfredo Bley vinha de São Pedro atender os fiéis da nossa comunidade montado no lombo de um burrico. Ficava hospedado na nossa casa e o asinino era solto no nosso potreiro. O enigma estava resolvido. A menor era uma ferradura do burrico do Padre Bley.
 Sei que é difícil, ao prezado leitor, acreditar numa história dessas, mas quem duvida deve procurar o Eitor Hentz. Inclusive ele me disse que vai fazer uma moldura onde ficarão expostas as três ferraduras. Quem sabe esteja nascendo, aí, uma lenda: A “Lenda das Três Ferraduras”. E talvez elas tragam sorte ao Eitor e a quem, em romaria, vier prestar-lhes sua homenagem.
Mas eu continuo não acreditando em fantasmas.

4 comentários:

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    2. Parabéns. Também, nao acredito. Que os escritores continuem resgatando o imaginário coletivo com belas histórias, como você o faz.
      Abr...

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  2. Bela história! Eu lembrei que, quando li o livro Fausto, de Goethe, várias vezes aparece "fogo-fátuo", não sabia o que era, agora consigo imaginar um pouco melhor, hehehe.

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