segunda-feira, 27 de julho de 2015

A ORGANIZAÇÃO NAS COLÔNIAS

Antiga escola construida por Nani Zan
Geocondo Chies e outros
timbaúva

Baú feito por Alberto Kochhan

Alberto Kochhan


A ORGANIZAÇAO NAS COLÔNIAS


Lembro de uma época, quando ainda eu era criança, em que os nossos colonos precisavam se bastar tanto quanto possível. Então, no meio da população, espontaneamente, brotavam talentos dos mais diversos. Assim, meu pai e o Giocondo Chies sabiam fazer gamelas, balaios e vassouras. Eram verdadeiros artistas no manuseio do enxó, machado, serrote e outras ferramentas para trabalhar a madeira. Para fazer gamelas usavam, principalmente, a timbaúva e o cedro, madeiras macias e ao mesmo tempo resistentes. Lembro que meu pai, ao invés de lixas usava cacos de vidro para dar o acabamento final.
O Vilibaldo Käfer era o arrumador de ossos. Quando alguém quebrava um braço, uma perna ou outro osso chamavam o “Wili”. Depois de colocado no lugar, enrolava um pano, depois uma camada de clara de ovo, taquinhos de bambu, outro pano e assim por diante. Isso, depois de seco, substituía o gesso de hoje. Wili entendia do ofício. Examinava o paciente e para cada caso sabia o que fazer. Trabalhava sem anestesia e os pacientes tinham que suportar a dor, muitas vezes, dilacerante.
Havia também o Nani Zan que fazia portas e janelas. Era um verdadeiro artista e, ainda hoje, muitas casas, em Arroio Canoas, tem aberturas feitas por ele. Um exemplo é a casa de Pedro Käfer filho, hoje de Plinio Schneider e da antiga escola da comunidade que foi reconstruída em Salvador do sul.
Tínhamos, por aqui, também, o Alberto Kochhan “Kofeschen”. Ele fabricava foguetes. Não havia festa nos arredores sem os foguetes do “kofetschen”. Ele era, também, um artista no trabalho da madeira. Muitas pessoas, ainda hoje tem obras dele como Baús, mesinhas, porta-cuias etc.
Mas alguns ofícios não tínhamos por aqui. Então vinham de fora da comunidade para atender as necessidades da população. Assim, Quando um animal adoecia, os colonos chamavam o Otávio Becker. “Beka”, como era conhecido por aqui era o veterinário e morava em Campestre. Edmundo Wolfart morava em Boa Vista e era, também, veterinário.
Também, vinha de fora, de São Pedro, o castrador de porcos. Bohdt Marcus passava uma ou duas vezes por ano pela comunidade e castrava todos os porcos. Na época costumava-se castrar, também, as fêmeas por que eram engordadas somente depois de terem, pelo menos, um ano. Com essa idade as fêmeas já entravam em cio o que atrapalhava a engorda. Hoje não se castra mais as fêmeas porque são abatidas antes dos seis meses. Quem conheceu Marcus diz que ele tinha dedos muito compridos próprios para a função. Pois, tinha que abrir as fêmeas e extirpar o ovário. Contam as más línguas que certa feita lhe apresentaram um porquinho. Sem perceber que era macho cortou o ventre e com seus longos dedos ficou procurando o ovário do coitado. O fato foi motivo de muitas gargalhadas.
Hoje falei de Arroio Canoas mas em todas as comunidades desse nosso interior as coisas funcionavam mais ou menos assim. Não se precisava de governo ou de qualquer outro órgão para regular profissões, de defensores de animais, dos direitos humanos e tantas outras coisas. Os colonos sabiam se organizar e viviam em paz.



quarta-feira, 8 de julho de 2015

MARQUINHOS, O CONTADOR DE HISTÓRIAS


Não se sabe, ao certo, quem ficou mais aterrorizado; Se o felino ou Marquinhos.




a visão se amplia, as fronteiras se alargam
 e o horizonte nos mostra coisas que não vemos lá de baixo.
O mundo, lá do alto, é diferente.


MARQUINHOS, O CONTADOR DE HISTÓRIAS


Era inverno e o Marquinhos tinha dezessete anos. Naquela época, ainda, os colonos costumavam cortar as folhas dos coqueiros para se suprirem de pasto.
Como tinha facilidade de subir em coqueiros sempre sobrava para ele essa tarefa. Aliás, Marquinhos adorava esse trabalho. Dizia:
- O mundo, lá do alto, é diferente. Quando estou lá em cima os problemas e as preocupações desaparecem. Tudo fica mais colorido, a visão se amplia, as fronteiras se alargam e o horizonte nos mostra coisas que não vemos lá de baixo.
O Marquinhos sempre foi assim; sensível, poeta.
Pois bem. Era sábado e já não havia mais macegas para cortar e nem “trompede heke”, (uma espécie de capoeira nativa da região que os animais comiam).  Armou-se com o facão e desceu o morro. Havia aí uma capoeira rala com vários coqueiros. Escolheu um, e trepou.
 Ah, estava esquecendo do Chigo(não era Chico) que tem participação no episódio. Era um cachorro que fora abandonado e que escolheu a família Käfer para ser adotado. Aonde ia Marquinhos ia também Chigo. Imagine o leitor: O rapaz lá em cima e o cão, ao pé do coqueiro, sentado sobre as patas traseiras observando o amigo.
Nisso se ouviu a cachorrada do Margel perseguindo um bicho. Quanto mais se aproximavam mais Chigo se apavorava sem saber a atitude que deveria tomar. Fora criado na cidade e não conhecia a linguagem dos cachorros daqui. Lá do alto o Marquinhos já pode ver o objeto da perseguição; era um gato do mato. E vinha bem na direção dele. Quando chegou junto ao coqueiro se deparou com Chigo e sem alternativa subiu no coqueiro e ficou cara a cara com o rapaz.
Não se sabe, ao certo, quem ficou mais apavorado; Se o felino ou Marquinhos.
 O gato, diante da visão apavorante, preferiu se jogar lá de cima, direto, na boca dos cachorros. Para sua sorte, a entrada em cena de Chigo, criou uma grande confusão dando-lhe oportunidade de evadir-se daí são e salvo.
A veracidade desse fato é da responsabilidade de Marquinhos. Transcrevi-o ipsis litteris.